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  • Foto do escritorTiago Oliveira Fernandes

Acidentes de trabalho – o específico caso “in itinere”

De acordo com a lei vigente, qualquer trabalhador tem como direito (ou dever), seu - enquanto empresário em nome individual, ou da entidade empregadora - enquanto trabalhador subordinado, de transferir a responsabilidade pela reparação dos acidentes de trabalho em entidade legalmente autorizada para o efeito – cfr. n.º 1 do art. 79.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro e Decreto-Lei n.º 159/99, de 11 de Maio.

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Em caso de incumprimento da obrigação por parte da entidade empregadora (i.e., no caso dos trabalhadores subordinados), recairá sobre esta a obrigação de proceder à reparação dos danos advenientes de acidentes de trabalho, ou, caso tal não seja possível – o que sucederá, por ex., no caso de tal situação determinar a insolvência da empresa, poderá ser acionado o Fundo de Acidentes de Trabalho, criado pelo Decreto-Lei n.º 142/99, de 30 de Abril.

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Ainda em caso de incumprimento desta obrigação, incorrerão ainda em responsabilidade contra-ordenacional, as entidades empregadoras nos termos do disposto no n.º 1 do art. 171 da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro, e os empresários em nome individual nos termos do disposto no n.º 1 do art. 11.º do Decreto-Lei n.º 159/99, de 11 de Maio.

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Quanto ao conceito de acidente de trabalho, determina o art. 8.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro que este é

“aquele que se verifique no local e no tempo de trabalho e produza directa ou indirectamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte”.

Por sua vez, e sem prejuízo da densificação dos conceitos de local e tempo de trabalho previstos nas als. a) e b) do n.º 2 do referido artigo, o n.º 1 do art. 9.º prevê uma extensão do conceito de acidente de trabalho, da qual interessa para o presente artigo a al. a), segundo a qual,

“Considera-se também acidente de trabalho o ocorrido (…) No trajecto de ida para o local de trabalho ou de regresso deste, (…) compreende[ndo] o acidente de trabalho que se verifique nos trajectos normalmente utilizados e durante o período de tempo habitualmente gasto pelo trabalhador”


Com referência aos trajetos normalmente utilizados, encontramos assim as seguintes concretizações da extensão do conceito no n.º 2 do referido art. 9.º:

“a) Entre qualquer dos seus locais de trabalho, no caso de ter mais de um emprego;

b) Entre a sua residência habitual ou ocasional e as instalações que constituem o seu local de trabalho;

c) Entre qualquer dos locais referidos na alínea precedente e o local do pagamento da retribuição;

d) Entre qualquer dos locais referidos na alínea b) e o local onde ao trabalhador deva ser prestada qualquer forma de assistência ou tratamento por virtude de anterior acidente;

e) Entre o local de trabalho e o local da refeição;

f) Entre o local onde por determinação do empregador presta qualquer serviço relacionado com o seu trabalho e as instalações que constituem o seu local de trabalho habitual ou a sua residência habitual ou ocasional.”

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Analisada a previsão legal é clara e notória a magnitude da extensão do conceito no âmbito das deslocações.


Assim, perde o sentido a reiterada referência de que “magoei-me”, mas não estava a trabalhar, por isso o seguro não cobre. Não é bem assim…


De facto, o enquadramento e a extensão do critério legal de determinação não é totalmente unânime na doutrina e na jurisprudência. No entanto, tem havido alguma concordância quanto a certos e determinados campos de aplicação.


Em termos exemplificativos, decidiu recentemente o Tribunal da Relação de Guimarães (no âmbito do processo 431/19.2T8VRL.G1, tal como sucedera no processo 41/14.0Y3BRG.G1 ou no decidido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, no âmbito do processo 35/16.8T9GRD.C1), considerando os normativos supra transcritos, “deve interpretar-se os actuais normativos como integrando no seu âmbito de aplicação o acidente ocorrido nos espaços exteriores à habitação do sinistrado, ainda antes de se entrar na via pública, independentemente de se tratar de espaço próprio ou de espaço comum a outros condóminos ou comproprietários, bastando para tal que já tenha sido transposta a porta de saída da residência, desde que a vítima se desloque para o local de trabalho, segundo o trajecto normalmente utilizado e durante o período de tempo habitualmente gasto pelo trabalhador


Ou seja, ainda que se esteja no logradouro da casa, antes de chegar à via pública, e por forma e no trajeto necessário para a ir trabalhar, o acidente será considerado de trabalho, com a proteção daí advinda para com o trabalhador.


Esta proteção legal tem a sua ratio, essencialmente, não pelo facto de o trabalhador se encontrar propriamente sobre uma situação de subordinação jurídica, mas por forma a tutelar a deslocação efetuada até ao local de trabalho determinado pela entidade empregadora, ou essencial para executar / desempenhar as tarefas inerentes às suas funções, para as quais foi contratado.


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Tal não sucederá, em princípio, caso exista uma alteração da rota normal entre a residência e o local de trabalho, que não para satisfação de necessidades atendíveis do trabalhador, bem como por motivo de força maior ou por caso fortuito.


Nesse sentido, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, segundo o qual “Tendo o trajeto normalmente utilizado pelo sinistrado de regresso do local de trabalho para casa sofrido uma interrupção e um desvio não determinados pela satisfação de necessidades atendíveis nem por motivo de força maior ou por caso fortuito, o acidente de que foi vítima não pode considerar-se acidente de trabalho in itinere.


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Neste segmento, de frisar ainda que, tal como decidiu o Tribunal da Relação do Porto (no âmbito do processo 1130/15.0T8VFR.P1), “O acidente ocorrido no interior da casa de banho do quarto de hotel onde o trabalhador se encontrava hospedado (…) não ocorreu no local de trabalho, nem no tempo de trabalho, não consubstanciando acidente de trabalho, mas, antes, acidente inserido na sua vida pessoal, estranho à sua actividade laboral.”


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Em suma, o critério determinante a final para aferir pela qualificação do acidente passará por compreender se o seu enquadramento factual diz respeito a um ato da vida profissional ou da vida privada do trabalhador.


E, ainda que se verifique uma margem de manobra quanto à interpretação a efetuar para qualificar o acidente como acidente de trabalho e, desta forma, assegurar a inerente proteção legal através da intervenção das respetivas entidades (v.g. seguros), certo é que, atualmente, o critério é extremamente abrangente, e certo é que haverá muitos mais “acidentes de trabalho” do que aqueles que são relatados e comunicados, nomeadamente por desconhecimento da densificação do conceito nos termos vigentes por parte dos trabalhadores / beneficiários.

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