1) Generalidades
2) Os direitos das pessoas com necessidades de cuidados de saúde mental
3) o tratamento involuntário,
4) O internamento de urgência
5) A natureza do processo
6) Habeas Corpus em virtude de privação ilegal da liberdade
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1) Generalidades
No presente mês de agosto de 2023, mais concretamente no dia 20, irá entrar em vigor a Nova Lei da Saúde Mental (Lei n.º 35/2023, de 21 de julho), a qual, além do mais, revoga a atualmente em vigor Lei n.º 36/98, de 24 de julho, que aprovou a Lei de Saúde Mental em vigor nos últimos 25 anos (!).
- cfr. al. a) do art. 54.º e art. 55.º, ambos da Lei n.º 35/2023, de 21 de julho, diploma a que se referem as normas cujo diploma legal não seja expressamente mencionado no presente texto.
Em termos sintéticos, a referida Lei tem como objeto a disposição sobre “a definição, os fundamentos e os objetivos da política de saúde mental, consagra os direitos e deveres das pessoas com necessidade de cuidados de saúde mental e regula as restrições destes seus direitos e as garantias de proteção da sua liberdade e autonomia”.
- cfr. n.º 1 do art. 1.º.
Para o efeito, desde logo define a Doença Mental como a condição caracterizada por perturbação significativa das esferas cognitiva, emocional ou comportamental, incluída num conjunto de entidades clínicas categorizadas segundo os critérios de diagnóstico da Classificação Internacional de Doenças da Organização Mundial de Saúde.
- cfr. al. a) do art. 2.º.
Desta forma, estamos naturalmente perante um conjunto de situações que serão definidas por entidades terceiras competentes para o efeito na sua área (de saúde), e que serão, em parte, voláteis às circunstâncias “atuais”.
Nessa sequência, prevê ainda a referida Lei que a política de saúde mental a adotar pelo Governo (através do Ministério de Saúde) tem âmbito nacional, sendo “transversal, dinâmica e evolutiva, adaptando-se ao progresso do conhecimento científico e às necessidades, contextos e recursos disponíveis a nível nacional, regional e local, visando a obtenção de ganhos em saúde”.
- cfr. n.º 2 do art. 3.º.
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2) Os direitos das pessoas com necessidades de cuidados de saúde mental
No que diz respeito aos Direitos das pessoas com necessidades de cuidados de saúde mental, a Lei distingue os deveres em geral dos de em especial, sendo que, nos termos do disposto no art. 7.º e 8.º, as pessoas com necessidades de cuidados de saúde mental têm direito a
“a) Aceder a cuidados de saúde integrais e integrados de qualidade, desde a prevenção à reabilitação, que incluam respostas aos vários problemas de saúde da pessoa, adequadas ao seu enquadramento familiar e social;
b) Escolher livremente a entidade prestadora dos cuidados de saúde, tendo em vista o tratamento de proximidade indispensável à continuidade do plano integrado de cuidados, na medida dos recursos existentes;
c) Decidir, livre e esclarecidamente, a todo o momento, na medida da sua capacidade, sobre os cuidados de saúde que lhe são propostos, salvo nos casos previstos na presente lei;
d) Ver respeitadas a sua vontade e preferências, expressas no momento ou antecipadamente, sob a forma de diretivas antecipadas de vontade ou através de procurador de cuidados de saúde ou de mandatário com vista a acompanhamento, salvo nos casos previstos na presente lei;
e) Decidir, livre e esclarecidamente, a todo o momento, na medida da sua capacidade, sobre a sua participação em investigação e ensaios ou estudos clínicos ou atividades de formação, nos termos da lei;
f) Ver promovida a sua capacitação e autonomia, nos vários quadrantes da sua vida, no respeito pelas suas vontade, preferências, independência e privacidade;
g) Usufruir de condições de habitabilidade, higiene, alimentação, permanência a céu aberto, segurança, respeito e privacidade em unidades de internamento dos serviços locais ou regionais de saúde mental, estabelecimentos de internamento ou estruturas residenciais;
h) Comunicar com o exterior, através de quaisquer meios, e receber visitas de familiares, amigos, acompanhantes, procuradores de cuidados de saúde e mandatários com vista a acompanhamento, quando se encontrem em unidades de internamento dos serviços locais ou regionais de saúde mental, estabelecimentos de internamento ou estruturas residenciais;
i) Votar, ressalvadas as incapacidades previstas na lei;
j) Não ser sujeitas a medidas privativas ou restritivas da liberdade de duração ilimitada ou indefinida”
[cfr. art. 7.º (Direitos em geral)],
bem como não ser submetidas a:
“a) Medidas coercivas, incluindo isolamento e meios de contenção físicos ou químicos, exceto nos termos previstos na presente lei; [1]
b) Eletroconvulsivoterapia ou a estimulação magnética transcraniana sem o seu consentimento escrito, exceto nos termos previstos na presente lei; [2]
c) Intervenções psicocirúrgicas sem o seu consentimento escrito e parecer escrito favorável de dois psiquiatras e de um neurocirurgião designados pela Coordenação Nacional das Políticas de Saúde Mental.”
[cfr. n.º 1 do art. 8.º (Direito em especial)]
Já no âmbito do tratamento involuntário, o requerido tem direito de
“a) Ser informado dos direitos que lhe assistem;
b) Participar em todos os atos processuais que diretamente lhe digam respeito, presencialmente ou por meio de equipamento tecnológico, podendo ser ouvido por teleconferência a partir da unidade de internamento do serviço local ou regional de saúde mental onde se encontre;
c) Ser ouvido pelo juiz sempre que possa ser tomada uma decisão que o afete pessoalmente;
d) Ser assistido por defensor ou mandatário constituído em todos os atos processuais em que participar e ainda nos atos processuais que diretamente lhe digam respeito e em que não esteja presente;
e) Oferecer provas e requerer as diligências que se lhe afigurem necessárias;
f) Ser acompanhado por intérprete idóneo, por si escolhido ou nomeado, sempre que não conhecer ou não dominar a língua portuguesa;
g) Ser acompanhado por intérprete idóneo de língua gestual, leitura labial ou expressão escrita, por si escolhido ou nomeado, quando seja surdo ou deficiente auditivo;
h) Responder por escrito a perguntas formuladas oralmente ou ser acompanhado por intérprete idóneo, por si escolhido ou nomeado, quando seja mudo;
i) Indicar pessoa de confiança, para os efeitos previstos no n.º 4 do artigo seguinte”,
[cfr. n.º 3 do art. 8.º]
e, quando em tratamento involuntário, tem direito de
“a) Ser informada e, sempre que necessário, esclarecida sobre os direitos que lhe assistem;
b) Ser esclarecida sobre os motivos do tratamento involuntário;
c) Participar, na medida da sua capacidade, na elaboração e execução do respetivo plano de cuidados e ser ativamente envolvida nas decisões sobre o desenvolvimento do processo terapêutico;
d) Ser assistida por defensor ou mandatário constituído, podendo comunicar em privado com este;
e) Participar em todos os atos processuais que diretamente lhe digam respeito, presencialmente ou por meio de equipamento tecnológico, podendo ser ouvida por teleconferência a partir da unidade de internamento do serviço local ou regional de saúde mental onde se encontre;
f) Recorrer da decisão de tratamento involuntário e da que o mantenha;
g) Requerer a revisão da decisão de tratamento involuntário;
h) Comunicar com a comissão prevista no artigo 38.º”.
[cfr. n.º 4 do art. 8.º].
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3) O tratamento involuntário,
Em relação ao tratamento involuntário, este tem por finalidade a recuperação integral da pessoa, mediante intervenção terapêutica e reabilitação psicossocial, e tem por pressupostos cumulativos a existência de doença mental; a recusa do tratamento medicamente prescrito, necessário para prevenir ou eliminar o perigo previsto na alínea seguinte; a existência de perigo para bens jurídicos pessoais ou patrimoniais [de terceiros, em razão da doença mental e da recusa de tratamento; ou do próprio, em razão da doença mental e da recusa de tratamento, quando a pessoa não possua o discernimento necessário para avaliar o sentido e alcance do consentimento; e a finalidade do tratamento.
Além do mais, este só poderá verificar-se quando for a única forma de garantir o tratamento medicamente prescrito; adequado para prevenir ou eliminar uma das situações de perigo previstas na alínea c) do número anterior; e proporcional à gravidade da doença mental, ao grau do perigo e à relevância do bem jurídico, tendo primazia o internamento em regime ambulatório, salvo incapacidade deste para alcançar as finalidades pretendidas devidamente fundamentada.
Motivo pelo qual o tratamento involuntário em internamento é substituído por tratamento em ambulatório logo que aquele deixe de ser a única forma de garantir o tratamento medicamente prescrito, sem prejuízo da sua revisão (nos termos do art. 25.º) ou da sua cessação (nos termos do art. 26.º).
[cfr. art. 14.º, 15.º, 25.º, 26.º e 27.º]
No que diz respeito à legitimidade para requerer o tratamento involuntário, esta verifica-se perante as seguintes entidades:
a) O representante legal do menor;
b) O acompanhante do maior, no âmbito das suas atribuições;
c) Qualquer pessoa com legitimidade para requerer o acompanhamento de maior;
d) As autoridades de saúde;
e) O Ministério Público;
f) O responsável clínico da unidade de internamento do serviço local ou regional de saúde mental ou do estabelecimento de internamento, conforme os casos, quando no decurso do internamento voluntário se verifique uma das situações de perigo previstas na alínea c) do n.º 1 do artigo 15.º.
Além do mais, qualquer médico que, no exercício das suas funções, verifique a existência de perigo para bens jurídicos pessoais ou patrimoniais nos termos previstos na al. c) do n.º 1 do art. 15.º poderão comunicar à autoridade s aúde competente por forma a que esta requeira o tratamento involuntário.
[cfr. art. 16.º e 17.º].
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4) O internamento de urgência
Já quanto aos internamentos de urgência, prevê o art. 28.º que “Quando o perigo para bens jurídicos pessoais ou patrimoniais do próprio ou de terceiros seja iminente, nomeadamente por deterioração aguda do estado da pessoa com doença mental, pode haver lugar ao tratamento involuntário em internamento”, desde que verificados os pressupostos e princípios gerais acima mencionados.
Assim, verificados os pressupostos acima mencionados, qualquer Órgão de Polícia Criminal [v.g. P.S.P. G.N.R.] ou autoridade de saúde podem determinar, oficiosamente ou a requerimento, através de mandado, que a pessoa seja conduzida a serviço de urgência hospitalar com valência de psiquiatria, por forma a ser submetido a avaliação clínico-psiquiátrica e a lhe ser prestada a assistência médica necessária.
Em face da urgência associada ao caso concreto ou ao perigo de demora, esta condução pode ser efetuada em momento prévio à emissão de mandato, situação em que a mesma será comunicada de imediato ao Ministério Público.
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5) A natureza do processo
Por fim, quanto à natureza do processo, tal como sucedia antes (e como não podia deixar de ser), estamos perante processos de natureza urgente.
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6) Habeas Corpus em virtude de privação ilegal da liberdade
Em caso de privação da liberdade, nomeadamente no caso de internamento involuntário e/ou de urgência, prevê o n.º 1 do art. 45.º que, excedido o prazo de 48horas após realização das diligências consideradas necessárias para proferir decisão de manutenção ou não do internamento, sem que o tenha sido feito [n.º 2 do art. 32.º]; tendo sido a privação de liberdade efetuada ou ordenada por entidade incompetente, ou não se verificando os pressupostos para a privação da liberdade, qualquer cidadão no gozo dos seus direitos políticos ou o visado por requerer ao tribunal a sua imediata libertação.
[cfr. n.ºs 1 e 2 do art. 45.º].
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Nota final:
No presente texto não foram abordadas quaisquer questões processuais relativas aos trâmites nos respetivos processos, bem como outras questões subtantivas, cingindo-se ao considerado essencial para o efeito de forma objetiva.
Notas
[1] Nos termos do art. 11.º, as medidas coercivas, incluindo isolamento e meios de contenção físicos ou químicos, só podem ser usadas na medida do estritamente necessário para prevenir ofensa grave e iminente ao corpo ou à saúde da pessoa carecida desses cuidados ou de terceiro, sendo usadas como último recurso e por período limitado à sua estrita necessidade, sendo este recurso específico e expressamente previsto por médico ou sendo por este aprovado, em caso de urgência ou perigo na demora.
[2] Nos termos do art. 12.º, em tratamento involuntário, judicialmente decidido nos termos do artigo 23.º, apenas pode haver recurso a eletroconvulsivoterapia ou a estimulação magnética transcraniana quando estas técnicas sejam medicamente prescritas, se revelem a melhor alternativa terapêutica e a prescrição seja confirmada por dois médicos psiquiatras além do médico prescritor.
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