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  • Foto do escritorTiago Oliveira Fernandes

O Perdão de Penas e Amnistia de infrações por ocasião da J.M.J. (e visita do Papa Francisco)

Na sequência da escolha de Portugal para acolher a Jornada Mundial da Juventude que decorre em agosto de 2023, temos (mais uma vez) a visita do Papa no nosso país.


Consequentemente, e à semelhança do que já aconteceu anteriormente, concretamente em por três vezes, foi estabelecido um regime de perdão de penas e amnistia de infrações na sequência da visita do Papa através da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto


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De facto, contextualizando de forma sucinta:


Primeiramente, com a visita do Papa Paulo VI à Cova da Ira, em 13 de maio de 1967 – sendo esta a primeira vez que o Papa visitou Portugal – foi publicado o Decreto-Lei n.º 47702, de 15 de maio, através do qual foi concedida a amnistia e perdão a vários crimes e infrações cometidos por delinquentes civis e por delinquentes pertencentes às forças armadas e às forças militarizadas.


Posteriormente, na sequência da visita do Papa João Paulo II a Portugal, foi publicada a Lei n.º 17/82, de 2 de julho, que amnistiou um conjunto de infrações cometidas até 10 de maio de 1982.


Já em 1991, na sequência da segunda visita do Papa João Paulo II a Portugal, foi publicada a Lei n.º 23/91, de 04 de Julho, que amnistiou um conjunto de infrações e medidas de clemência, cometidas até ao dia 25 de abril de 1991.


Além das situações acima mencionadas – as quais se prendem com motivos religiosos -, de frisar ainda que houve outras situações que determinada a amnistia e perdão de penas, como por ex. a Lei 16/86, de 11 de Junho [na sequência da eleição de Mário Soares como Presidente da República], a Lei n.º 15/94, de 11 de Maio [por ocasião do 20.º aniversário do 25 de abril de 2074] e a Lei n.º 29/99, de 12 de Maio [por ocasião do 25.º aniversário do 25 de abril de 2074].


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Recorde-se previamente que, nos termos da al. f) do art. 161.º da Constituição da República Portuguesa, compete à Assembleia da República conceder amnistias e perdões genéricos.



No âmbito penal, nos termos do disposto no n.º 1 do art. 127.º do Código Penal a responsabilidade criminal extingue-se, além do mais, pela amnistia e pelo perdão genérico.



Já os n.ºs 2 e 3 do art. 128.º do Código Penal determinam que

a) A amnistia extingue o procedimento criminal e, no caso de ter havido condenação, faz cessar a execução tanto da pena e dos seus efeitos como da medida de segurança; e

b) O perdão genérico extingue a pena, no todo ou em parte.




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No caso concreto, a Assembleia da República estabeleceu então o referido perdão de penas e amnistia de infrações através da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto – [diploma este a que nos referimos em caso de omissão].


De acordo com o art. 2.º do referido diploma, o seu âmbito de aplicação circunscreve-se a

a) algumas sanções penais relativas a alguns ilícitos praticados até às 00:00 horas do dia 19/06/2023, por indivíduos com idades entre os 16 e os 30 anos de idade à data da prática dos factos;

b) algumas sanções acessórias relativas a contraordenações praticadas até às 00:00 horas de 19 de junho de 2023;

c) algumas sanções relativas a infrações disciplinares e infrações disciplinares militares praticadas até às 00:00 horas de 19 de junho de 2023.


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Concretizando,


No que diz respeito à supra al. a) – i.e., algumas sanções penais relativas a alguns ilícitos – determina o art. 4.º que são amnistiadas as infrações penais cuja pena aplicável não seja superior a 1 ano de prisão ou a 120 dias de multa, bem como o n.º 1 do art. 3.º que, além do ante mencionado, é perdoado 1 ano de prisão a todas as penas de prisão até 8 anos.


Já o n.º 2 do art. 3.º determina ainda o perdão das seguintes penas:

a) Pena de multa até 120 dias (a título principal ou em substituição de pena de prisão);

b) Pena de prisão subsidiária resultante da conversão da pena de multa;

c) Pena de prisão por não cumprimento da pena de multa de substituição; e

d) As restantes penas de substituição, excetuando-se a suspensão da execução da pena de prisão que seja subordinada ao cumprimento de deveres ou de regras de condutas ou acompanhada de regime de prova).


Neste âmbito, o art. 7.º prevê um conjunto bastante alargado de exceções à aplicação do perdão e amnistia e que aqui não cumpre esmiuçar, relevando-se apenas os seguintes crimes a título meramente exemplificativo:

  • Crimes de homicídio e infanticídio, previstos nos artigos 131.º a 133.º e 136.º do Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de setembro (i) da al. a) do n.º 1);

  • Crimes de violência doméstica e de maus-tratos, previstos nos artigos 152.º e 152.º-A do Código Penal (ii) da al. a) do n.º 1);

  • Crimes contra a liberdade e a autodeterminação sexual, previstos nos artigos 163.º a 176.º-B do Código Penal; (v) da al. a) do n.º 1);

  • Por crimes de abuso de confiança ou burla, nos termos dos artigos 205.º, 217.º e 218.º do Código Penal, quando cometidos através de falsificação de documentos, nos termos dos artigos 256.º a 258.º do Código Penal, e por roubo, previsto no n.º 2 do artigo 210.º do Código Penal (i) da al. b) do n.º 1);

  • Por crime de extorsão, previsto no artigo 223.º do Código Penal (ii) da al. b) do n.º 1);

  • Crimes de condução perigosa de veículo rodoviário e de condução de veículo em estado de embriaguez ou sob a influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas, previstos nos artigos 291.º e 292.º do Código Penal (ii) da al. d) do n.º 1);

  • Crime de branqueamento, previsto no artigo 368.º-A do Código Penal (iii) da al. e) do n.º 1);

  • Crimes de corrupção, previstos nos artigos 372.º a 374.º do Código Penal (iv) da al. e) do n.º 1);

  • Os condenados por crimes praticados contra crianças, jovens e vítimas especialmente vulneráveis, nos termos do artigo 67.º-A do Código de Processo Penal, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de fevereiro (al. g) do n.º 1);

  • Os condenados por crimes praticados enquanto titular de cargo político ou de alto cargo público, magistrado judicial ou do Ministério Público, no exercício de funções ou por causa delas, designadamente aqueles previstos na Lei n.º 34/87, de 16 de julho, que determina os crimes de responsabilidade que titulares de cargos políticos cometam no exercício das suas funções (h) do n.º 1);

  • Os reincidentes (al. j) do n.º 1).


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Já no que diz respeito à supra al. b) – i.e., algumas sanções acessórias relativas a contraordenações – determina o art. 5.º que são perdoadas as sanções acessórias relativas a contraordenações, cujo limite máximo da coima aplicável (moldura abstrata) não exceda os €1.000,00 (mil euros).


Não obstante, ainda neste âmbito determina a al. l) do n.º 1 do art. 7.º que estão excluídos do âmbito de aplicação os autores das contra-ordenações praticadas sob influência de álcool ou de estupefacientes, substâncias psicotrópicas ou produtos com efeito análogo, bem como a al j) do n.º 1 do art. 7.º que estão excluídos do âmbito de aplicação os reincidentes.


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Por fim, no que diz respeito à supra al. c) – i.e., sanções relativas a infrações disciplinares e infrações disciplinares militares - determina o art. 6.º que são amnistiadas as respetivas infrações que não consubstanciem ilícitos penais não amnistiados em simultâneo, e cuja sanção aplicada não seja superior a suspensão ou prisão disciplinar [por ex., despedimento disciplinar, demissão, despedimento sem indemnização ou compensação].


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Além do âmbito de aplicação, relevamos ainda os seguintes aspetos referentes às condições resolutivas e à responsabilidade civil.


Assim,


No que diz respeito às condições resolutivas, determina o art. 8.º que o perdão a que se refere a presente lei é essencialmente concedido sob condição resolutiva de

a) o beneficiário não praticar infração dolosa no ano subsequente à sua entrada em vigor, caso em que à pena aplicada à infração superveniente acresce o cumprimento da pena ou parte da pena perdoada; e

b) do pagamento da indemnização ou reparação a que o beneficiário também tenha sido condenado, a ser cumprida no prazo de 90 dias após notificação do condenado para o efeito (podendo ser depositado à ordem do tribunal em caso de desconhecimento do lesado).


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Já quanto à responsabilidade civil, prevê o art. 12.º que a amnistia prevista no artigo 4.º não extingue a responsabilidade civil emergente de factos amnistiados [cfr. art. 483.º ss do Código Civil, referente a responsabilidade por factos ilícitos].


Em consequência, a lei prevê 4 situações distintas com relevância processual, nomeadamente em face da regra de dedução do pedido cível no âmbito do processo crime [princípio de adesão, previsto no art. 71.º do Código Penal, que determina que “O pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei”], a saber:

a) Estando o lesado notificado e em prazo para deduzir P.I.C. no dia 1 de setembro de 2023 no âmbito de ação penal extinta pela amnistia, pode formular, prosseguindo os autos para esse efeito e aproveitando a prova indicada para efeitos penais;

b) Não tendo o lesado sido notificado para deduzir P.I.C., será notificado para, querendo, deduzir no prazo de 10 dias nos termos da supra al. a), sob pena de o dever fazer em separado no foro cível;

c) Tendo o lesado já deduzido P.I.C., poderá, no prazo de 10 dias a partir da notificação para o efeito, requerer que os autos prossigam para apreciação do pedido formulado, com aproveitamento da prova indicada para efeitos penais;

d) Em caso de despacho de pronúncia ou que esteja designado o dia para audiência de julgamento, em que o procedimento criminal seja declarado extinto por força do art. 4.º, pode o lesado, no prazo de 10 dias a partir do trânsito em julgado da decisão de extinção, requerer que os autos prossigam para fixação de indemnização civil, com aproveitamento da prova indicada para efeitos penais;


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Quanto à vigência da presente lei, prevê o art. 15.º que a mesma entra em vigor no dia 1 de setembro de 2023.


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Por fim, merece destaque o facto de, de acordo com a redação em vigor e assim publicada, o respetivo perdão e amnistia apenas se aplicar a pessoas com idade entre os 16 e os 30 anos, em face da idade máxima a que se destinam as jornadas ser até aos 30 anos.


Tal posição adotada tem sido objeto de discordância e polémica, em virtude de estarmos perante um aparente/possível caso de inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade, por discriminatório em razão da idade.



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Diplomas referentes às amnistias/perdões de penas aqui mencionadas:



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