Acórdão do T.R. Évora, proferido no âmbito do processo n.º 412/21.6JAFAR.E1, datado de 03-06-2025
- Tiago Oliveira Fernandes
- 23 de jun.
- 4 min de leitura
Analisa, além do mais, a validade das imagens obtidas através de sistema de de recolha de imagens, instalado em espaço público (discoteca), sem autorização da Comissão Nacional da Proteção de Dados
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Nos presentes autos determinado Arguido foi condenado pelo Tribunal de 1.ª Instância pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86º nº 1 alínea c) da Lei nº 5/2006, na pena de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão que ficará, por um ano e oito meses, suspensa na execução e que será, nos termos do art. 53º do Código Penal, acompanhada de regime de prova.
Pelo Arguido foi interposto recurso da decisão condenatória invocando, além do mais, a nulidade na utilização, como meio de prova, das imagens de videovigilância e a respectiva violação do tecido constitucional.
Para o efeito, alegou o Arguido/recorrente que não estava comprovado que as câmaras de videovigilância se encontravam registadas (licenciadas pela CNPD),nem que tenham sido obtidas com autorização judicial, concluindo dessa forma que a prova obtida através das mesmas era nula, não podendo ser considerada.
Ora,
Prevê o art. 125.º do C.P.P. que “São admissíveis as provas que não forem proibidas por lei”.
Concretizando o n.º 8 do art. 32.º da CRP, preceito este que prevê que a nulidade de todas as provas obtidas mediante tortura, coação, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações, os métodos proibidos de prova encontram-se previstos, nomeadamente, no art. 126.º do C.P.P., relevando os n.ºs 1 e 2 quanto às provas absolutamente proibidas mencionadas no referido artigo, e o n.º 3 quanto ás provas relativamente proibidas.
Pois que, enquanto que as primeiras – absolutamente proibidas – não podem ser utilizadas de maneira alguma, as segundas – relativamente proibidas - podem ser utilizadas desde que respeitadas as regras da sua admissibilidade.
Para efeitos de admissibilidade as provas relativamente proibidas releva desde logo o n.º 2 do art. 18.º da CRP, de acordo com o qual a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.
Conforme texto publicado acessível aqui um dos direitos que admite restrições e o direito à imagem.
Como evidencia o aresto em apreço, “a jurisprudência tem reconhecido a validade de gravações por sistemas de videovigilância, mesmo não cumprindo os formalismos legais de uso, nomeadamente, em estabelecimentos comerciais, nas partes comuns de um prédio constituído em regime de propriedade horizontal, na garagem coletiva de um prédio de apartamentos, no interior de habitação, pelos legítimos utilizadores de tais espaços, visando a defesa dos seus bens pessoais e patrimoniais, na entrada de um prédio particular, captando imagens da via pública e da entrada comum de um prédio, na receção de um estabelecimento hoteleiro.”
Relativamente à falta de autorização por parte da CNDP, explica o referido aresto que “a utilização de câmaras de vigilância por particulares no sentido da protecção de pessoas e bens é lícita desde que não abranja espaços destinados à vida estritamente privada dos cidadãos (caso em que poderia estar em causa o cometimento do crime de devassa da vida privada do artigo 192º do CP e que constitui o limite da licitude da captação de imagens por particulares) sendo lícita a utilização das imagens assim obtidas como meio de prova de ilícito criminal, independentemente de terem sido captadas com o conhecimento do visado, de autorização do mesmo, ou de esses sistemas de vigilância terem sido aprovados pela CNDP, ou a utilização dos respectivos dados”.
Concluem assim os Venerandos Juízes Desembargadores que que as imagens obtidas através de um sistema de videovigilância instalado sem autorização/aprovação da CNDP constituem prova válida, podendo e devendo ser valoradas em conjunto com a demais prova produzida.
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Sumário:
“I - A obtenção de imagens (do arguido) através das câmaras colocadas no interior e no exterior de um estabelecimento de diversão noturna (uma “discoteca”) não corresponde a qualquer método proibido de prova, pois existe justa causa para a sua obtenção e utilização como meio de prova, porquanto se visa documentar a prática de uma infração criminal e as imagens obtidas não dizem respeito ao “núcleo duro da vida privada” da pessoa visionada.
II - A obtenção dessas imagens, através do sistema de videovigilância, e a posterior utilização das mesmas no âmbito de um concreto processo penal, não correspondem a qualquer método proibido de prova, porquanto, no circunstancialismo referido (que não respeita ao “núcleo duro da vida privada” do arguido), existe justa causa, consubstanciada na documentação da prática de uma infração criminal.
III - Este entendimento não é infirmado pela falta de autorização da CNPD (Comissão Nacional da Proteção de Dados) para a instalação do sistema de recolha de imagens existente no local.
IV - Assim, as imagens em causa constituem prova válida, podendo (e devendo) ser valoradas em conjunto com a demais prova produzida.”
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