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  • Foto do escritorTiago Oliveira Fernandes

Acórdão do T.R. Évora, proferido no âmbito do processo 1097/16.7T8OLH.E1, datado de 09-02-2023

Analisa o incumprimento das obrigações a que o devedor se encontra adstrito para beneficiar da exoneração do passivo restante (ainda que em causa “apenas” €159,11), e suas consequências.


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O Processo de Insolvência corresponde, acordo com o n.º 1 do art. 1.º do Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março (doravante designado por C.I.R.E.), a

“um processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência, baseado, nomeadamente, na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente, ou, quando tal não se afigure possível, na liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores”,


Neste processo pode figurar como parte, além do mais, as pessoas singulares (cfr. al. a) 1.ª parte do n.º 1 do art. 2.º do C.I.R.E.).


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Tratando-se de uma situação de insolvência de uma pessoa singular, poderá ser-lhe concedida a exoneração de passivo restante, i.e., a “exoneração dos créditos sobre a insolvência que não forem integralmente pagos no processo de insolvência ou nos três anos posteriores ao encerramento deste, nos termos do presente capítulo”. – cfr. art. 235.º do C.i.R.E..


Excluem-se, no entanto, para este efeito, os seguintes créditos:

a) Os créditos por alimentos;

b) As indemnizações devidas por factos ilícitos dolosos praticados pelo devedor, que hajam sido reclamadas nessa qualidade;

c) Os créditos por multas, coimas e outras sanções pecuniárias por crimes ou contra-ordenações;

d) Os créditos tributários e da segurança social.

- cfr. n.º 2 do art. 245.º do C.I.R.E..


Para tanto, deverá tal ser requerido nos termos do art. 236.º ss do C.I.R.E., que aqui não cumpre desenvolver.


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Um dos pressupostos (e o que se revela maioritariamente mais relevante) da concessão efetiva da exoneração do passivo restante é o cumprimento das condições previstas no art. 239.º do C.I.R.E., referentes à cessão do rendimento disponível. – cfr. al. b) do art. 237.º do C.I.R.E..


Como tal, determina o n.º 2 do art. 239.º do C.I.R.E que durante os três anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência (período da cessão), o rendimento disponível que o devedor venha a auferir se considera cedido a um fiduciário.


Para determinar o rendimento disponível, concretiza o n.º 3 do art. 239.º do C.I.R.E. que

Integram o rendimento disponível todos os rendimentos que advenham a qualquer título ao devedor, com exclusão:

a) Dos créditos a que se refere o artigo 115.º cedidos a terceiro [Cessão e penhor de créditos futuros], pelo período em que a cessão se mantenha eficaz;

b) Do que seja razoavelmente necessário para:

i) O sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar, não devendo exceder, salvo decisão fundamentada do juiz em contrário, três vezes o salário mínimo nacional;

ii) O exercício pelo devedor da sua actividade profissional;

iii) Outras despesas ressalvadas pelo juiz no despacho inicial ou em momento posterior, a requerimento do devedor.”


Em conformidade e para os efeitos mencionados, determina o n.º 4 do referido art. 239.º que o devedor fica obrigado a

“a) Não ocultar ou dissimular quaisquer rendimentos que aufira, por qualquer título, e a informar o tribunal e o fiduciário sobre os seus rendimentos e património na forma e no prazo em que isso lhe seja requisitado;

b) Exercer uma profissão remunerada, não a abandonando sem motivo legítimo, e a procurar diligentemente tal profissão quando desempregado, não recusando desrazoavelmente algum emprego para que seja apto;

c) Entregar imediatamente ao fiduciário, quando por si recebida, a parte dos seus rendimentos objecto de cessão;

d) Informar o tribunal e o fiduciário de qualquer mudança de domicílio ou de condições de emprego, no prazo de 10 dias após a respectiva ocorrência, bem como, quando solicitado e dentro de igual prazo, sobre as diligências realizadas para a obtenção de emprego;

e) Não fazer quaisquer pagamentos aos credores da insolvência a não ser através do fiduciário e a não criar qualquer vantagem especial para algum desses credores.”


O procedimento de exoneração poderá, no entanto, cessar antecipadamente.


Um dos principais motivos que determinam a cessação do procedimento corresponde ao facto de o devedor, dolosamente ou com grave negligência, violar alguma das obrigações que lhe são impostas pelo artigo 239.º, prejudicando por esse facto a satisfação dos créditos sobre a insolvência (cfr. al. a) do n.º 1 do art. 239.º do C.I.R.E.).


Já no âmbito da decisão final da exoneração, o Tribunal poderá recusar a exoneração do passivo restante nos mesmos termos e com os fundamentos que poderia cessar antecipadamente. – cfr. n.º 2 do art. 244.º do C.I.R.E..



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No caso concreto, findo o referido período de cessão de rendimento disponível, foi pelo fiduciário nomeado apresentado relatório, do qual constava que se encontrava em falta a entrega por parte do devedor da quantia de €159,11 referente aos rendimentos auferidos no ano de 2020.


Em consequência, foi o devedor notificado para proceder ao pagamento de tal quantia, sob pena de ser recusada a exoneração do passivo restante.


Não o tendo feito, foi novamente notificada para se pronunciar quanto à recusa da exoneração do passivo restante, por violação da obrigação prevista na al. c) do n.º 4 do art. 239.º do C.I.R.E., não se tendo pronunciado.

No final, foi recusada a exoneração do passivo restante por esse facto pelo Tribunal a quo.


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Ora,


Entendeu o Tribunal da Relação da Évora que

“Visando a exoneração do passivo restante conciliar a possibilidade de liberar o devedor do remanescente das respetivas dívidas após o decurso do período de cinco anos (presentemente três anos, conforme indicado), com o direito dos credores obterem o pagamento dos seus créditos através dos rendimentos auferidos pelo devedor durante tal período e não abrangidos pelo montante indisponível fixado, daqui decorre a necessidade da realização de esforço acrescido, e mesmo de um sacrifício constante, por parte do devedor, no sentido de proceder à imediata entrega ao fiduciário da parte dos seus rendimentos objeto de cessão, quando por si recebida. Como tal, tendo a devedora auferido rendimentos que excedem o montante indisponível fixado, a falta de entrega de qualquer valor viola gravemente os valores e interesses que se pretendem acautelar com o comportamento devido.”

(sublinhado e negrito nosso).


Sendo que, “Estando em causa, no caso presente, a falta de entrega pela devedora ao fiduciário da parte dos rendimentos objeto de cessão, o incumprimento desta obrigação impede o pagamento, ainda que parcial, dos créditos sobre a insolvência, assim prejudicando necessariamente a satisfação desses créditos.”



Sumário:

I – Estando em causa o incumprimento pelo devedor da obrigação de imediata entrega ao fiduciário da parte dos seus rendimentos objeto de cessão, são dois os requisitos exigidos para a recusa da exoneração do passivo restante, a saber: i) que a violação de tal obrigação ocorra dolosamente ou com grave negligência; ii) que esse facto prejudique a satisfação dos créditos sobre a insolvência;

II - Tendo a devedora auferido rendimentos em determinado ano que excedem o montante indisponível fixado, a falta de entrega de qualquer valor durante todo o período de cessão, sem justificação atendível, viola gravemente os valores e interesses que se pretendem acautelar com o comportamento devido;

III - É de qualificar como gravemente negligente a atuação da devedora, ao omitir durante todo o período de cessão a obrigação de imediata entrega ao fiduciário da parte dos rendimentos objeto de cessão, pretendendo ficar liberada das respetivas dívidas após o decurso do período de cessão, sem efetuar qualquer esforço que permita o pagamento aos credores;

IV - A falta de entrega pela devedora ao fiduciário da parte dos rendimentos objeto de cessão impede o pagamento, ainda que parcial, dos créditos sobre a insolvência, assim prejudicando necessariamente a satisfação desses créditos.




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