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  • Foto do escritorTiago Oliveira Fernandes

Acórdão do T.R. de Évora, proferido no âmbito do processo 74/23.6GBABT.E1, datado de 05-03-2024

Analisa a legalidade da imposição da regra de conduta consistente em o arguido não frequentar cafés, bares e outros estabelecimentos que procedam à venda de bebidas alcoólicas (exceto supermercados ou hipermercados), para efeitos de suspensão da execução da pena de prisão.

 

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Em sede de 1.ª Instância foi o Arguido condenado pela prática, em autoria material e na forma consumada e em concurso efetivo a prática de um crime de violação de imposições, proibições ou interdições, previsto e punido pelo artigo 353.º, do Código Penal e um crime de condução em estado de embriaguez, previsto e punido pelos artigos 292.º, n.º 1 e 69.º, n.º1 alínea a) do Código Penal, na pena única de 4 (quatro) meses e 15 (quinze) dias de prisão, suspensa por período de um ano mediante cumprimento de determinadas regras de conduta e sujeito a regime de prova.

 

Com relevo para a situação em apreço, prevê o n.º 1 do art. 292.º do C.P. que “Quem, pelo menos por negligência, conduzir veículo, com ou sem motor, em via pública ou equiparada, com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/l, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal”.

 

Já em relação à suspensão da pena de prisão, o art. 50.º do C.P. determina que “O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição” (n.º 1).

 

Para o efeito, o tribunal poderá subordinar a suspensão da execução da pena de prisão, além do mais, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, as quais podem ser aplicadas cumulativamente (n.ºs 2 e 3).

 

Em relação às regras de conduta, prevê o n.º 1 do art. 52.º do C.P. que “O tribunal pode impor ao condenado o cumprimento, pelo tempo de duração da suspensão, de regras de conduta de conteúdo positivo, susceptíveis de fiscalização e destinadas a promover a sua reintegração na sociedade”, bem como de outras regras de conduta, designadamente:

“a) Não exercer determinadas profissões;

b) Não frequentar certos meios ou lugares;

c) Não residir em certos lugares ou regiões;

d) Não acompanhar, alojar ou receber determinadas pessoas;

e) Não frequentar certas associações ou não participar em determinadas reuniões;

f) Não ter em seu poder objectos capazes de facilitar a prática de crimes.”

 

 

Ora,

 

No caso em apreço, a suspensão da pena de prisão aplicada ao Arguido ficou subordinada ao cumprimento de, além do mais, das seguintes regras de conduta:

“(…)

ii. NÃO INGERIR BEBIDAS ALCOÓLICAS.

(…)

v. Frequentar o CRI (Equipa de Tratamento de Abrantes, telefone: (…..), Rua da Barca 95, 2200-386 Abrantes) por forma a despistar e avaliar das necessidades de acompanhamento na área da alcoologia e, se necessário for, submeter-se o arguido a tratamento médico da aludida adição ou a cura em instituição, devendo a DGRSP obter o consentimento do arguido à sujeição a eventual tratamento.

vi. Não frequentar cafés, bares e outros estabelecimentos que procedam à venda de bebidas alcoólicas (exceto supermercados ou hipermercados).

vii. Não possuir quaisquer tipos de bebidas alcoólicas dentro da sua residência, cuja verificação será a efetuar pela DGRSP, permitindo o arguido a entrada desta entidade na sua habitação.

viii. Frequentar cursos de sensibilização para a problemática do álcool na condução automóvel, à escolha da DGRSP, e ainda manter-se sem ingestão de bebidas alcoólicas.

ix. Efetuar testes de despiste de ingestão de bebidas alcoólicas pela DGRSP ou pela equipa médica de tratamento, de forma aleatória.

 

*

 

Inconformada com esta decisão, o M.P. interpôs recurso da mesma, no sentido de ser revogada a regra de conduta de “Não frequentar cafés, bares e outros estabelecimentos que procedam à venda de bebidas alcoólicas (exceto supermercados ou hipermercados)”, por violação, em suma, dos princípios constitucionais da legalidade (da pena), da necessidade, proporcionalidade e proibição do excesso.

 

*

 

O Tribunal decidiu pela (im)procedência parcial do recurso, mantendo a regra de conduta objeto de recurso, aditando, no entanto, a limitação geográfica a que tal se circunscreve, a saber, “na freguesia de Mouriscas, no concelho de Abrantes”.

 

E isto alicerçado na posição de que

“é de pôr em dúvida a exequibilidade, o sucesso, de qualquer plano de abandono de consumos alcoólicos onde a vontade de abandono não existe.

 

Mas é claro que mesmo sem adesão pessoal ao abandono de consumos a defesa da sociedade se deve impor, mormente através de um plano essencialmente proibitivo - a opção do tribunal recorrido - que não pode ser posta em causa face ao que os autos revelam, mas a proibição aqui posta em causa – “proibição de frequentar cafés” que procedam à venda de bebidas alcoólicas – deve ser restringida às características do caso concreto, que revelam um perigo de consumos no ou nos cafés da freguesia de residência do arguido.

Ora, é certo que o tribunal recorrido apurou alguns factos relativos à vivência diária do arguido e, inclusive no facto 18, que é “associado a consumos diários de bebidas alcoólicas” e que (facto 20) “Refere que ocupa o tempo livre em casa ou em cafés”, mas deixou por apurar de que forma e onde o faz, o que se revela facto essencial não apurado que é determinante para a decisão do recurso, tal como configurado nas conclusões e no pedido. No essencial há uma “insuficiência factual” que pode ser ultrapassada por este tribunal com os elementos constantes dos autos.

 

O arguido é claro na afirmação de que o seu consumo de álcool se restringe ao café da localidade de Mouriscas, para onde se dirige a pé numa distância de 2 km.

 

Respinga-se do Relatório de Perícia Médico-Legal de Psicologia a fls. 147-154 dos autos a fls. 151: «Atualmente, esporadicamente, bebo whisky, é a minha bebida de eleição, mas bebo menos, não tenho álcool em casa, só bebo no café. O café é a 2 quilómetros, vou a pé, não tenho álcool em casa, só bebo no café. O café é a 2 quilómetros, vou a pé ou de boleia, há pouca gente, não vou todos os dias».

Descontando alguma efabulação previsível – o ir sempre a pé e o beber pouco – é aceitável que o tipo de vivência do arguido se centre no local onde reside, como se induz dos factos provados sob 17) a 20).

E deverá ser essa, portanto, a proibição a impor, a proibição de frequência de cafés na freguesia de Mouriscas, no concelho de Abrantes, evitando-se, assim, uma proibição genérica sem limites.

Porque a opção sempre será – face ao objecto do recurso – uma proibição genérica e absoluta, com a consequente improcedência do recurso, ou uma proibição relativa e geográfica, com a procedência parcial do recurso.”

 

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Sumário:

I - A regra de conduta - imposta a arguido condenado pela prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez – consistente em o arguido não frequentar cafés, bares e outros estabelecimentos que procedam à venda de bebidas alcoólicas (exceto supermercados ou hipermercados), não se mostra desproporcional ou desrazoável, quando restringida a uma concreta localidade (onde o arguido tem centrada a sua vida e onde, nos cafés dessa localidade, consome bebidas alcoólicas em excesso).

II - A imposição dessa regra de conduta não viola os princípios constitucionais da legalidade (da pena), e da necessidade, proporcionalidade e proibição do excesso, e não invade, de forma desproporcionada/desrazoável, a liberdade do arguido (enquanto titular de direitos).”

           



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