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  • Foto do escritorTiago Oliveira Fernandes

Acórdão do T. R. Coimbra, proferido no âmbito do processo 1523/21.3T8CTB-A.C1, datado de 09-11-2022

Analisa a consequência da renúncia ao benefício de excussão prévia por parte do fiador em caso de impossibilidade de sub-rogação por facto imputável ao credor.


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Como consabido, o património do devedor responde, em regra, para cumprimento das obrigações assumidas, constituindo assim a garantia geral – cfr. art. 601.º do C.C..


Existem, no entanto, diversas outras garantias do cumprimento das obrigações, podendo passar por garantias patrimoniais, como é o caso da hipoteca, ou pessoais, como é o caso da fiança.


No que à fiança diz respeito, tratando-se de uma garantia pessoal e que implica que, em regra, responda para garantir solidariamente o cumprimento da obrigação o património do fiador.


Não obstante a regra de que o fiador apenas é chamado a assumir a responsabilidade do devedor principal, este poderá renunciar ao benefício de excussão prévia, podendo assim o seu património ser chamado primeiro do que o devedor a responder pelas dívidas assumidos por este último, ficando na disponibilidade do credor optar.

- cfr. n.º 1 do art. 638.º do C.C. [“1. Ao fiador é lícito recusar o cumprimento enquanto o credor não tiver excutido todos os bens do devedor sem obter a satisfação do seu crédito.”]


Já no caso de os fiadores assumirem o cumprimento da obrigação, prevê o art .644.º do C.C. que “O fiador que cumprir a obrigação fica sub-rogado nos direitos do credor, na medida em que estes foram por ele satisfeitos”.


Ou seja, existindo, por ex., uma hipoteca constituída sobre determinado imóvel para garantir determinado crédito, e assumindo o fiador o cumprimento da obrigação/pagamento, ainda que parcial, será então “beneficiário” da hipoteca.


Por esse motivo, há certos negócios jurídicos que, quando não tenham a intervenção do fiador, podem determinar a sua desoneração em virtude de prejudicar a posição destes.


Nesse sentido, determina o art. 653.º do C.C. que “Os fiadores, ainda que solidários, ficam desonerados da obrigação que contraíram, na medida em que, por facto positivo ou negativo do credor, não puderem ficar sub-rogados nos direitos que a este competem.”


É o que acontece, por ex., quando pelo devedor é entregue ao credor um imóvel hipotecado para fazer face a pagamento, ainda que parcial, de um crédito (dação em cumprimento), e o fiador não é chamado a intervir ou se pronunciar, sendo possível que não concorde com o valor aí atribuído ao imóvel.


Ora,


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Entendeu o Tribunal da Relação de Coimbra que, no caso de os fiadores se constituírem como principais pagadores, através da renúncia ao benefício de excussão prévia, não poderão beneficiar da desoneração prevista no art. 653.º do C.C..

["se o fiador não goza do benefício da excussão, por dela ter renunciado validamente, assumindo a obrigação de principal pagador, já não poderá valer-se da norma do artigo 653.º - que pressupõe um facto voluntário (mas não necessariamente culposo) do credor afiançado que determine a perda da faculdade de sub-rogação nos direitos que a estes assistiam"]



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Sumário:

I – O património do devedor constitui a garantia geral de cumprimento das obrigações assumidas perante os credores, de harmonia com o disposto no artigo 601.º do Código Civil, sendo que, em determinados casos, estes podem exigir daquele algumas garantias acrescidas, prevenindo uma eventual insolvabilidade;

II – De entre essas garantias, aparecem-nos as pessoais, de que é apanágio a fiança, ficando através dela o fiador pessoalmente obrigado perante o credor, pela satisfação do crédito afiançado, sendo a sua obrigação acessória da obrigação principal – “ A fiança tem o conteúdo da obrigação principal e cobre as consequências legais e contratuais da mora ou culpa do devedor”/artigo 634.º; “O fiador que cumprir a obrigação fica sub-rogado nos direitos do credor na medida em que estes foram por ele satisfeitos/artigo 644.º;

III – O legislador permite ao fiador uma vigilância constante relativamente ao comportamento do devedor e ao comportamento do credor, num caso e noutro para garantia do seu direito à eventual sub-rogação, nomeadamente através do estabelecido no art.º 653.º, que estabelece que “os fiadores, ainda que solidários, ficam desonerados da obrigação que contraíram na medida em que, por facto positivo ou negativo do credor, não puderem ficar sub-rogados nos direitos que a estes competem”.

IV – A não intervenção do fiador no negócio consistente na dação em cumprimento do imóvel hipotecado, poderá fundamentar defesa excepcional do mesmo, à luz das regras da boa-fé, por ter sido accionado pelo credor para pagamento do remanescente em dívida, por exemplo, no caso de se sentir prejudicado por entender que o valor atribuído ao imóvel é substancialmente inferior ao seu real valor de mercado, e que por isso não pode ver o crédito afiançado ser totalmente satisfeito através daquele negócio;

V – Mas, se os fiadores se constituíram principais pagadores da dívida contraída pelo devedor principal, renunciando expressamente ao benefício de excussão prévia, significa que é vontade dos mesmos permitir que o credor possa exigir a dívida do devedor principal ou do fiador, sem que este invoque que só pagará quando aquele já não tiver património suficiente para responder pela dívida;

VI – Por isso, se o fiador não goza do benefício da excussão, por dela ter renunciado validamente, assumindo a obrigação de principal pagador, já não poderá valer-se da norma do artigo 653.º - que pressupõe um facto voluntário (mas não necessariamente culposo) do credor afiançado que determine a perda da faculdade de sub-rogação nos direitos que a estes assistiam;

VII – Renunciado o benefício de excussão, assumida a obrigação de principais pagadores, os fiadores não tinham que ser chamados a participar do acordo que se reporta à dação em cumprimento do imóvel, não podendo aliás obstar à sua realização - na medida em que traduz um acordo de vontade de ambas as partes - credor e devedor - e por outro lado, atento o âmbito da fiança prestada e considerando que renunciaram ao benefício de excussão prévia, nunca poderiam estar “aconchegados” na existência da hipoteca sobre o imóvel, por dela não se poder fazer valer, tendo afastado o principio da subsidiariedade da fiança - ao fiador não lhe é permitido intervir na definição da obrigação principal que garante, reportando-se esta ao relacionamento entre o credor e o devedor/ com a extinção parcial da obrigação originada pela escritura de dação, não ocorreu qualquer extinção da fiança, mas antes a redução da mesma ao montante remanescente ainda em dívida após a entrega do imóvel sub judice em dação. “

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