Analisa a valoração da recusa de leitura, em sede de audiência de discussão e julgamento, de depoimento prestado em sede de inquérito por testemunha.
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No âmbito do processo crime, chegando o processo à fase de julgamento é comum as testemunhas que aí prestam depoimento terem sido interrogadas previamente na fase de inquérito – i.e., prévia à dedução de acusação (pública ou privada).
Prevê o art. 355.º do C.P.P. que “Não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência”, ressalvadas as “[provas contidas em actos processuais cuja leitura, visualização ou audição em audiência sejam permitidas, nos termos dos artigos seguintes”.
Ora,
Não havendo controlo nem garantia de contraditório, sendo, aliás, o depoimento prestado em faze de inquérito perante os Órgãos de Polícia Criminal, por vezes, bastante falacioso, tendencioso e prestado/confirmado (veja-se, assinado) de forma demasiado leviana, prevê o art. 356.º do C.P.P. diversas regras aplicáveis à leitura e reprodução de autos e declarações.
Como tal, determina o n.º 5 do art. 356.º do C.P.P. que, além do mais, havendo acordo por parte do Ministério Público, Arguido e Assistente, é admissível a leitura de declarações prestadas perante o Ministério Público ou perante os Órgãos de Polícia Criminal.
No caso concreto, o Tribunal a quo descredibilizou o depoimento prestado em sede de audiência de discussão e julgamento por uma testemunha, em virtude de a assistente ter recusada a leitura de depoimento prestado pela mesma em fase de inquérito, inviabilizando assim a sua consideração pelo Tribunal.
Fundamentou tal decisão no facto de que, além do mais, “O princípio da imediação impede, neste caso, que se valore o depoimento prestado ao inquérito, mas não impõe que necessariamente se valore o depoimento prestado em julgamento (como pretende a recorrente). A recusa de leitura do depoimento prestado em inquérito impede que se valore tal depoimento, mas não impede que, quando não for aduzido algum motivo razoável e compreensível para tal recusa, se suscitem dúvidas sobre a veracidade do depoimento prestado em julgamento.”
Conforme evidencia o respetivo aresto, “são diferentes as consequências de uma dúvida eventualmente suscitada por uma qualquer postura do arguido numa sua estratégia de defesa (essa dúvida nunca poderá prejudicá-lo, pois ele beneficia do princípio in dubio pro reo) e as consequências de uma dúvida suscitada por uma postura relativa ao depoimento de uma testemunha (essa dúvida pode validamente afetar a procedência da acusação, pois é sobre esta que recai o ónus de prova). E é esta segunda situação que se verifica no caso em apreço.
Por isso, não se nos afigura ilegítima a desvalorização do depoimento da testemunha em apreço por ter sido recusada a leitura de um seu depoimento prestado em inquérito (o que já não seria legítimo se se tratasse de uma recusa do arguido de prestar declarações ou de autorizar a leitura de declarações por ela anteriormente prestadas).
Não se vislumbra que estejamos perante alguma violação da estrutura acusatória do processo ou do princípio do contraditório consignados no artigo 32.º, n.º 5, da Constituição (nem, verdadeiramente, consta da motivação do recurso a indicação da razão dessa violação).”
Desta forma, decidiu o Tribunal ad quem que a desvalorização de depoimento prestado por testemunha, na sequência da recusa por parte da assistente na leitura das suas declarações prestadas em sede de inquérito, não configura prova proibida nem viola o princípio do contraditório, sendo tal recusa – ainda que no âmbito do exercício de um direito legitimo e tutelado legalmente - idónea a suscitar dúvidas na esfera do julgador quanto à credibilidade da mesma.
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Sumário:
“Não se verifica alguma violação do princípio da imediação, e não estamos, por isso, perante prova proibida quando na fundamentação da sentença se afirma que a recusa de leitura de um depoimento prestado pela testemunha em inquérito (independentemente do conteúdo deste), sem que se indique algum motivo razoável e compreensível para tal, gera dúvidas a respeito da veracidade do depoimento prestado por essa testemunha em julgamento; o princípio da imediação impede, neste caso, que se valore o depoimento prestado ao inquérito, mas não impõe que necessariamente se valore o depoimento prestado em julgamento; a recusa de leitura do depoimento prestado em inquérito impede que se valore tal depoimento, mas não impede que, quando não for aduzido algum motivo razoável e compreensível para tal recusa, se suscitem dúvidas sobre a veracidade do depoimento prestado em julgamento.”
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