Analisa a situação de incumprimento passível de permitir a resolução de contrato promessa de compra e venda por parte dos promitentes compradores, bem como os efeitos da resolução Ilícita levada a cabo pelos promitentes vendedores na esfera jurídica dos promitentes compradores.
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No caso em apreço, e de forma sintética, foi celebrado um contrato promessa no âmbito do qual os promitentes compradores (particulares) se obrigaram a celebrar o contrato definitivo de compra e venda, para o que pagaram determinado montante a título de sinal aos promitentes vendedores (também particulares).
Após celebrado o contrato promessa de compra e venda efetuaram uma inspeção ao imóvel objeto do negócio, através da qual se aperceberam de diversos defeitos/danos dissimulados, inc. estruturais.
Nessa sequência, os promitentes compradores enviaram uma missiva aos promitentes vendedores, no seguimento da qual os promitentes vendedores confessaram a existência de danos, tendo, no entanto, procedido ao agendamento da realização da escritura pública.
Inconformados com tal posição, os promitentes compradores resolveram o contrato promessa de compra e venda, tendo, no entanto, os promitentes vendedores feito seus o sinal pago pelos promitentes compradores.
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Ora,
Antes de mais, cumpre referir que, no caso em apreço estamos perante um contrato celebrado entre particulares, que não consumidores.
No mais,
Nos termos do disposto no n.º 1 do art. 401.º do C.C., “À convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato são aplicáveis as disposições legais relativas ao contrato prometido, exceptuadas as relativas à forma e as que, por sua razão de ser, não se devam considerar extensivas ao contrato-promessa”.
Quer isto dizer que, transpondo o preceito legal para o caso sub judice, serão de aplicar ao contato promessa de compra e venda as regras previstas ao contrato de compra e venda, adaptadas às circunstâncias, nomeadamente no que se refere à determinação e a redução do preço, à venda de bens alheios, de coisa defeituosa, de bens onerados, à indemnização, à reparação ou substituição da coisa, à excepção do não cumprimento do contrato e à resolução do contrato.
Como explica Nuno Manuel Pinto Oliveira [1]:
“Entre os efeitos do contrato de compra e venda extensivos ao contrato-promessa de compra e venda, em consequência do principio da correspondência ou da equiparação do art.º 410/1 do Código Civil, está a atribuição ao promissário-comprador dos direitos predispostos pela lei para o comprador de bens alheios, de bens onerados ou de coisas defeituosas - do direito de exigir que o promitente-vendedor de bens alheios adquira os bens prometidos (art.º 897), do direito de exigir que o promitente-vendedor de bens onerados expurgue os ónus dos bens prometidos (art.º 907), do direito de exigir que o promitente-vendedor de coisa defeituosa repare ou substitua a coisa prometida (art.º 914); do direito potestativo de redução do preço dos bens onerados, ou das coisas defeituosas (art.º 911, em ligação com o art.º 913), e do direito potestativo de resolução do contrato-promessa, desde que o promitente-vendedor não adquira os bens alheios, não expurgue os ónus dos bens onerados, ou não repare e não substitua as coisas defeituosas (art.ºs 897, 907 e 914, em ligação com os art.ºs 801/2 e 802).”
No caso em apreço, após efetuada análise a diversa jurisprudência relacionada com o tema em apreço, conclui o aresto em análise que, em relação a contrato-promessa de venda de coisa que se vem a revelar entretanto defeituosa, e não sendo a entrega um pressuposto necessário para o efeito - o promitente comprador pode vir a ter o direito de resolver o contrato-promessa por incumprimento definitivo imputável ao promitente-vendedor.
Sucede que, no caso em apreço, não foi efetuada a interpelação admonitória, os promitentes vendedores não entraram em mora e, consequentemente, inexistiu um incumprimento definitivo, nem tão-pouco os promitentes compradores em algum momento invocaram a perda de interesse como fundamento da resolução.
Pelo que a resolução levada a cabo pelos promitentes compradores foi considerada, no caso em apreço, como ilícita (e, consequentemente, ineficaz)
Não obstante,
Em relação aos promitentes vendedores, entendeu o Tribunal da Relação de Lisboa que
““Nos termos do n.º l do art.º 882, vimo-lo já, o vendedor cumprirá a sua obrigação pela entrega da coisa no estado em que se encontrava ao tempo da venda. Interpretada à letra, esta disposição legal poderia surpreender: o vendedor cumpriria - e cumpriria bem - mediante a entrega de coisa defeituosa, desde que fosse esse o seu estado na conclusão do contrato, independentemente de conhecido ou desconhecido sem culpa do comprador. Vale dizer: o vendedor estaria apenas vinculado à entrega da coisa no estado em que se encontrava na conclusão da venda, não já à obrigação de entrega da coisa isenta de vícios ou defeitos.
Será assim?
Será assim se o vício (a priori oculto ou aparente) for conhecido ou desrazoavelmente ignorado, no momento da celebração da venda, do comprador que, apesar de convenientemente informado advertido e elucidado, aceitou adquirir a coisa defeituosa. Neste caso, a entrega da coisa no estado defeituoso em que se encontra ao tempo da venda é conforme à determinação negocial, não se vendo como poderia o comprador alegar um vício, que conhecia na conclusão do contrato, sem violar o princípio da boa fé. Pelo que se alegada e evidenciada a existência do defeito pelo comprador (art.º 342/1), a prova de que este o conhecia ou o não podia legitimamente ignorar na conclusão do contrato incumbirá ao vendedor (art.º 342/2), que assim mostrará a conformidade da coisa entregue com a coisa prevista na compra e venda.
Afora esse caso, resulta da lei que o vendedor tem, não só a obrigação de entregar a coisa (art.º 879/-b), mas também a de entregar uma coisa isenta de vícios ou defeitos, quer de vícios jurídicos (art.º 905 e segs.) quer de vícios materiais (art.º 913 e segs).”
O que não sucedeu no caso concreto, pois que, como explicado,
“Considerando-se ainda que os autores não tinham conhecimento destes factos à data da celebração do contrato (facto 13) e que é clara a sua gravidade (quer do ponto de vista das condições de habitabilidade quer do ponto de vista do custo estimado para a sua correcção), nada se podia opor ao exercício do direito dos autores de exigirem a sua correcção e legalização e de se recusarem a celebrar a escritura do contrato-prometido.
Pelo que, repete-se, já apenas com estes factos existentes à data da sentença, os réus não podiam ter exigido dos autores que estes celebrassem o contrato prometido sob pena de fazerem seu o sinal entregue.
Aditados os factos decorrentes da impugnação da decisão da matéria de facto, esta conclusão é reforçada, pois que agora se dá expressamente como provado (enquanto antes tal decorria da conjugação de factos provados) que os réus tinham conhecimento de todas as situações descritas em 12, e decidiram não revelar aos autores o que se passava quanto à falta de legalização da maior parte das obras que tinham feito na morada (factos 13bis e 13ter) e quanto à existência e causas das humidades (factos 10bis e 13bis).”
Sendo que, nessa sequência, e citando o referido aresto,
“Não tendo o direito de exigir a celebração do contrato prometido, os réus [promitentes vendedores] não colocaram os autores [promitentes compradores] em mora nem converteram esta em incumprimento definitivo, nem o comportamento dos autores é equivalente a este, pelo que já se pode concluir que os réus não têm o direito de fazer seu o sinal entregue pelos autores (e que, qualquer resolução que pretendessem invocar, seria ilícita e ineficaz como já se viu acima).”
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Sumário:
“
I – Os promitentes compradores de imóvel que se vem a revelar defeituoso antes da celebração do contrato prometido não são obrigados a celebrar este contrato e podem vir a estar em condições de resolver o contrato-promessa se se vier a verificar uma situação de incumprimento definitivo ou equivalente; ou seja, as normas aplicáveis à situação não são apenas e unicamente as directamente decorrentes do regime da venda das coisas defeituosas; mas aquela situação tem de ser provada por eles e, no caso dos autos, eles não a provaram.
II – A resolução de um contrato-promessa pelos promitentes vendedores, com base numa resolução ilícita (que é, em princípio, só por si, ineficaz) e na recusa de os promitentes compradores celebrarem o contrato prometido de coisa que se revelou defeituosa, sem antes os promitentes vendedores procederem à reparação dos defeitos, é ilícita e ineficaz, não tendo os promitentes vendedores direito a ficarem com o sinal entregue pelos promitentes compradores.
“
[1] in Contrato de compra e venda, vol. I, Gestlegal, 2021, páginas 332-333.
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