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Acórdão do T.R.Coimbra, proferido no âmbito do processo 1205/22.9T8CTB.C1, datado de 26-11-2024

Foto do escritor: Tiago Oliveira FernandesTiago Oliveira Fernandes

Analisa, além do mais, a consequência da falta de reconhecimento presencial das assinaturas dos outorgantes em contrato-promessa, a que se refere o n.º 3 do art. 410.º do Código Civil.

 

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Estipulam os n.ºs 1, 2 e 3 do art. 410.º do C.C. que

“1 - À convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato são aplicáveis as disposições legais relativas ao contrato prometido, exceptuadas as relativas à forma e as que, por sua razão de ser, não se devam considerar extensivas ao contrato-promessa.

2 - Porém, a promessa respeitante à celebração de contrato para o qual a lei exija documento, quer autêntico, quer particular, só vale se constar de documento assinado pela parte que se vincula ou por ambas, consoante o contrato-promessa seja unilateral ou bilateral.

3 - No caso de promessa respeitante à celebração de contrato oneroso de transmissão ou constituição de direito real sobre edifício, ou fracção autónoma dele, já construído, em construção ou a construir, o documento referido no número anterior deve conter o reconhecimento presencial das assinaturas do promitente ou promitentes e a certificação, pela entidade que realiza aquele reconhecimento, da existência da respectiva licença de utilização ou de construção; contudo, o contraente que promete transmitir ou constituir o direito só pode invocar a omissão destes requisitos quando a mesma tenha sido culposamente causada pela outra parte.”

 

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No caso em apreço foi proposta ação pelos promitentes compradores contra os promitentes vendedores, peticionando que, além do mais, “i) seja declarado nulo o contrato-promessa de compra e venda celebrado entre os Autores e os Réus por as assinaturas dos promitentes compradores e vendedores não terem sido reconhecidas presencialmente, em violação do previsto no n.º 3 do art.º 410º do Código Civil (CC) e a consequente inobservância da forma legal prevista no art.º 220º do CC; ii) consequentemente, os Réus sejam condenados a restituir aos Autores as importâncias que destes receberam a título de sinal, concretamente, o montante global de € 100 000 (cem mil euros), acrescido de juros à taxa legal a contar da data em que sejam citados da presente ação”.

 

Tendo o Tribunal de 1.ª instância julgado procedente a ação, declarando nulo o contrato-promessa de compra e venda outorgado entre os Autores e os Réus, os Réus interpuseram recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra.

 

Relativamente à nulidade do contrato-promessa celebrado entre as partes, por omissão do reconhecimento presencial das assinaturas que é imposto pelo art.º 410º, n.º 3, do CC, e o eventual abuso de direito na invocação dessa nulidade, entendeu o Tribunal da Relação o seguinte:

 

A omissão do reconhecimento da assinatura implica a nulidade do contrato, tratando-se de uma nulidade atípica, porquanto não é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e não pode ser declarada oficiosamente pelo Tribunal.


No entanto, trata-se de uma nulidade que “poderá ser sempre invocada, a todo o tempo, pelo promitente que promete adquirir o direito e que, em determinadas circunstâncias, também poderá ser invocada pelo outro contraente, sem prejuízo da sua preclusão por eventual abuso de direito


De facto, atento o teor do n.º 3 do art. 410.º do C.C., que prevê que “o contraente que promete transmitir ou constituir o direito só pode invocar a omissão do requisito apontado quando a mesma tenha sido culposamente causada pela contraparte”, claro está que é permitido ao promitente vendedor provar a existência de uma situação de abuso de direito e, nessa senda, de “arguir a nulidade do contrato-promessa por inobservância das formalidades legais não apenas quando a falta tenha sido intencionalmente causada pelo promitente-comprador que a invoca em juízo, mas também quando o comportamento deste posterior à conclusão do contrato tenha sido de molde, por um lado, a não pôr em questão a validade do negócio e, por outro, a criar na contraparte a fundada confiança de que ele seria integralmente cumprido”


Em relação à existência de uma cláusula através da qual as partes acordam que é dispensado o reconhecimento de assinaturas, sem que às partes seja lícito invocar a nulidade do contrato por tal facto, a doutrina e a jurisprudência têm-se divido quanto ao seu significado e alcance, a saber:

a) Uma primeira corrente admite a “cláusula de renúncia”, com o argumento de que se está perante um direito que se encontra na disponibilidade das partes, e

b)  Uma segunda corrente, que se afigura maioritária, não admite a “cláusula de renúncia”, por violar uma disposição que contém em si um comando de ordem pública social, pois que “Estamos perante uma norma de carácter imperativo que visa tutelar, em especial, a posição do promitente comprador, atenta a ordem de grandeza dos interesses patrimoniais envolvidos, obrigando ao reconhecimento presencial, devidamente autenticado, de assinaturas no texto que formaliza o contrato-promessa, como forma de sensibilização e consciencialização, pela sua solenidade, para a importância do ato e para o dever do subscritor de atentar, com toda a seriedade e rigor, em todo o clausulado a que se está dessa forma a vincular (e que na esmagadora maioria dos casos é (pré)elaborado e proposto pelo promitente vendedor)” 


Aderindo à segunda corrente, entendeu o Tribunal da Relação de Coimbra que tal cláusula é nula tal, podendo os promitentes-compradores invocar a nulidade do contrato, sem prejuízo da sua preclusão por eventual abuso do direito.

 

Já quanto ao abuso do direito, evidenciou o referido aresto que, no caso concreto, os Autores invocaram, em fevereiro de 2020, perante os Réus, a omissão da formalidade em causa que era determinante da nulidade do negócio e pediram a restituição do sinal.


Desta forma, a partir de tal data não era legítima a expectativa que os Réus pudessem ter criado de que o contrato iria ser cumprido, ou que estes aparecessem em escritura marcada pelos Réus após tal comunicação e que celebrariam a escritura, não invocando tal nulidade.


Como tal, inexiste qualquer “clamorosa e intolerável ofensa ao princípio da boa fé e ao sentimento de justiça geralmente partilhado pela comunidade que possa justificar a manutenção e cumprimento do contrato-promessa que, por efeito da omissão de uma formalidade, o legislador considerou nulo, atribuindo ao promitente-comprador o direito de invocar essa nulidade a todo o tempo, sendo certo que qualquer confiança ou expectativa legítima que os Réus pudessem ter criado com base no comportamento dos AA. durou cerca de nove meses e essa confiança, desacompanhada de quaisquer outros factos (ou comportamento da parte que, de forma séria e consistente, haja criado a convicção de que tal vício não iria ser atuado), não é relevante, como referimos, para paralisar o direito atribuído aos AA. de invocar a nulidade do contrato com fundamento na falta de reconhecimento presencial das assinaturas no contrato-promessa”. 

           

E, nessa sequência, confirmaram a decisão proferido pelo Tribunal de 1.ª Instância.

 

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Sumário:

“1. A falta de reconhecimento presencial das assinaturas dos outorgantes em contrato-promessa a que alude o art.º 410º, n.º 3, do CC, acarreta a nulidade do negócio, sujeita embora a um regime especial que permite qualificá-la como uma nulidade atípica ou mista, invocável a todo o tempo, em regra apenas pelo promitente comprador.

2. Não obstante do contrato-promessa constar que os outorgantes “renunciam expressamente ao reconhecimento presencial e certificação notarial das assinaturas apostas no presente contrato, conforme o previsto no n.º 3, do art.º 430º do Código Civil, comprometendo-se a não invocar a falta da aludida formalidade”, uma cláusula com este teor é nula por contrariar uma norma de interesse e ordem pública, que pretende defender os promitentes compradores – normalmente a parte mais fraca – contra a sua fraqueza negocial.

3. A nulidade só não ganhará consistência em caso de abuso do direito - um modo de ser jurídico que se coloca no trajeto entre a norma e a solução concreta.

4. Não se poderá concluir pela existência de abuso do direito se a factualidade provada não permite concluir pela criação de uma situação de confiança na outra parte que a levasse a deduzir que tal invalidade não seria arguida

(…)”

 



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