Foi publicado, no dia 25 de maio de 2023, a Lei que regula as condições especiais em que a morte medicamente assistida não é punível e altera o Código Penal.
Ora,
A)
Em relação ao Código Penal, no que concerne ao tema em apreço relevam essencialmente os arts. 134.º, 135.º e 139.º, que preveem o seguinte:
“Artigo 134.º
Homicídio a pedido da vítima
1 - Quem matar outra pessoa determinado por pedido sério, instante e expresso que ela lhe tenha feito é punido com pena de prisão até 3 anos.
2 - A tentativa é punível.”
“Artigo 135.º
Incitamento ou ajuda ao suicídio
1 - Quem incitar outra pessoa a suicidar-se, ou lhe prestar ajuda para esse fim, é punido com pena de prisão até 3 anos, se o suicídio vier efectivamente a ser tentado ou a consumar-se.
2 - Se a pessoa incitada ou a quem se presta ajuda for menor de 16 anos ou tiver, por qualquer motivo, a sua capacidade de valoração ou de determinação sensivelmente diminuída, o agente é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos.”
“Artigo 139.º
Propaganda do suicídio
Quem, por qualquer modo, fizer propaganda ou publicidade de produto, objecto ou método preconizado como meio para produzir a morte, de forma adequada a provocar suicídio, é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias.”
Com a Lei n.º 22/2023, de 25 de maio, são adicionados aos arts. 134.º e 135.º do C.P. o n.º 3, que prevê a exclusão da ilicitude quando os factos forem realizados nas condições estabelecidas na Lei n.º 22/2023, de 25 de maio [“A conduta não é punível quando realizada no cumprimento das condições estabelecidas na Lei n.º 22/2023”], bem como é aditado ao art. 139.º um n.º 2 que prevê que “Não é punido o médico ou enfermeiro que, não incitando nem fazendo propaganda, apenas preste informação, a pedido expresso de outra pessoa, sobre o suicídio medicamente assistido, de acordo com o n.º 3 do artigo 135.º”.
*
Sem prejuízo de o art. 31.º da referida Lei determinar que o governo aprova, no prazo de 90 dias após a publicação, a respetiva regulamentação, em relação às condições especiais em que a morte medicamente assistida é possível, cumpre destacar os seguintes pontos:
B)
De acordo com os n.ºs 1, 2 e 3 do art. 3.º da referida Lei [à qual se fará menção quando não concretizado o diploma a que o preceito diz respeito], considera-se morte medicamente assistida não punível aquela em que se verifiquem a seguintes características:
ocorre por decisão da própria pessoa;
a pessoa seja maior;
a pessoa seja cidadã nacional ou resida legalmente em território nacional;
a vontade seja atual e reiterada, séria, livre e esclarecida;
a pessoa se encontre numa situação de sofrimento de grande intensidade, com lesão definitiva de gravidade extrema ou doença grave e incurável;
e que seja praticada ou ajudada por profissionais de saúde.
C)
Por sua vez, as duas formas através das quais a morte medicamente assistida pode ocorrer são o suicídio medicamente assistido e a eutanásia. – cfr. n.º 4 do art.3.º.
O primeiro é efetuado através da autoadministração de fármacos letais pelo próprio doente, sob supervisão médica, enquanto que o segundo ocorre através da administração de fármacos letais pelo médico ou profissional de saúde devidamente habilitado para o efeito.
De frisar ainda que o segundo – eutanásia, apenas poder á ocorrer quando o primeiro não for possível por incapacidade física do doente (cft. N.º 5 do art. 3.º).
D)
Quanto ao procedimento clínico, a sua abertura ocorrer com a formulação do pedido por parte do doente, sendo de frisar que o processo será suspenso na eventualidade de ser proposta ação de maior acompanhado na sua pendência, e terá obrigatoriamente de ocorrer um período de 2 meses desde a data do pedido até à efetivação da morte medicamente assistida (cfr. N.º 1, 4 e 5 do art. 4.º).
D1)
Não obstante ser (naturalmente) obrigatória a intervenção de (pelo menos) um médico, não podemos deixar de destacar o facto de que, em relação ao especialista em psicologia clínica, não obstante ser assegurado, ao longo de todo o processo, o acesso a acompanhamento por parte de um especialista em psicológica clínica, certo é que o doente pode rejeitar “expressamente”, não tendo carácter obrigatório-
(n.º 5 e 9 do art. 4.º).
D2)
Já o parecer de um médico especialista em psiquiatria apenas será obrigatório nos termos do n.º 1 do art. 7.º, i.e., se
“a) O médico orientador e ou o médico especialista tenham dúvidas sobre a capacidade da pessoa para solicitar a morte medicamente assistida revelando uma vontade séria, livre e esclarecida; [ou]
b) O médico orientador e ou o médico especialista admitam que a pessoa seja portadora de perturbação psíquica ou condição médica que afete a sua capacidade de tomar decisões.”
Ainda nesse caso, caso a condição específica do doente assim o exija, existirá a colaboração de um especialista em psicologia clínica. (cfr. n.º 4 do art. 7.º).
Temos assim que a lei prevê a possibilidade de existirem situações em que a morte medicamente assistida poderá ocorrer sem que haja a intervenção, quer de um especialista em psicologia clínica, quer em psiquiatria (!).
E)
Naturalmente que a decisão tomada pelo doente será revogável a todo o tempo (cfr. n.º 1 do art. 12.º), e a escolha do local para a morte medicamente assistida cabe ao doente, desde que reúna “condições clínicas e de conforto adequadas para o efeito” (cfr. art. 13.º), tal como as pessoas presentes poderão ser livremente indicadas pelo doente. (cft art. 14.º).
F)
Por fim, em relação aos seguros de vida, o legislador salvaguardou s tomadores de seguros, de maneira a que a morte medicamente assistida não é fator de exclusão de cobertura (cfr. n.º 4 do art. 29.º)
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