1. Nota introdutória
A “identificação criminal” consiste essencialmente na recolha, tratamento e conservação de extratos de decisões judiciais e elementos essenciais das mesmas nos registos criminais e de contumazes, de maneira a permitir o conhecimento dos antecedentes criminais de pessoas – singulares e coletivas – condenadas através de decisões transitadas em julgado, abrangendo igualmente, de forma complementar e no caso de pessoais singulares, a recolha das impressões digitais. (cfr. n.ºs 1 e 2 do art. 2.º da Lei n.º 37/2015, de 05 de maio (doravante designada por LIC) e n.ºs 1 do art. 1.º, al. b) do n.º 1 do art. 3.º e n.º 5 do art. 4.º, todos da Lei n.º 67/2017, de 09 de agosto.
Nesse âmbito, determina a al. a) do n.º 2 do art. 5.º da LIC que, tratando-se de decisão condenatória, e estando o arguido presente no julgamento, a sua identificação abrange as impressões digitais e assinatura.
2. Elementos a constar
Quanto aos elementos a constar com referência ao extrato das decisões a inscrever no registo criminal, serão, nos termos do n.º 3 do art. 5.º da LIC, os seguintes:
“a) Do tribunal que proferiu a decisão e do número do processo;
b) Da data e forma da decisão, e da data do respetivo trânsito em julgado;
c) Do conteúdo da decisão e das disposições legais aplicadas;
d) Tratando-se de decisão condenatória, da designação, data e local da prática do crime, das disposições legais violadas e das penas principais, de substituição e acessórias ou das medidas de segurança aplicadas.”
3. Acesso
Relativamente ao acesso ao registo criminal, sem prejuízo das regras aplicáveis aos declarados contumazes, poderá aceder o próprio, por si mesmo ou por intermédio de terceiro com poderes para o efeito (por procuração/autorização, ou representante legal), bem como as entidades competentes no âmbito das finalidades a prosseguir no âmbito, direto ou indireto, de processos crime (cfr. n.ºs 1 e 2 do art. 8.º da LIC).
Por sua vez, no âmbito de procedimentos administrativos dos quais depende a concessão de emprego ou obtenção de licença, autorização ou registo de carácter público, ou no âmbito de contratação pública e empreitadas e negócios relacionados com parcerias público-privadas, as entidades públicas responsáveis pela instrução poderão consultar, mediante autorização prévia dos titulares. (cfr. n.º 3 do art. 8.º da LIC).
4. Conteúdo dos certificados de registo criminal
Quanto ao conteúdo dos certificados de registo criminal, determina o n.º 5 do art. 10.º da LIC que os certificados do registo criminal requeridos para fins de emprego (público ou privado), ou para exercício de profissão ou atividade em Portugal, apenas devem conter as seguintes decisões:
“a) As decisões de tribunais portugueses que decretem a demissão da função pública, proíbam o exercício de função pública, profissão ou atividade ou interditem esse exercício;
b) As decisões que sejam consequência, complemento ou execução das indicadas na alínea anterior e não tenham como efeito o cancelamento do registo;
c) As decisões com o conteúdo aludido nas alíneas a) e b) proferidas por tribunais de outro Estado membro ou de Estados terceiros, comunicadas pelas respetivas autoridades centrais, sem as reservas legalmente admissíveis.”.
Caso as profissões ou atividades exijam a ausência, total ou parcial, de antecedentes criminais, ou a avaliação da idoneidade da pessoa, contém todas as decisões proferidas pelos tribunais portugueses, excetuando-se as canceladas provisoriamente nos termos do art. 12.º ou que não devam ser transcritas nos termos do art. 13.º (ambos da LIC) - (cfr. n.º 6 do art. 10.º da LIC).
4.1 Cancelamento das decisões proferidas
4.1.1 A requerimento do interessado (por regra)
Nesse seguimento, determina o art. 12.º da LIC que o tribunal de execução pode determinar o cancelamento, total ou parcial, das decisões que devem constar do registo criminal, desde que estejam preenchidos os seguintes requisitos:
“a) Já tenham sido extintas as penas aplicadas;
b) O interessado se tiver comportado de forma que seja razoável supor encontrar-se readaptado; e
c) O interessado haja cumprido a obrigação de indemnizar o ofendido, justificado a sua extinção por qualquer meio legal ou provado a impossibilidade do seu cumprimento.”
4.1.2. Oficiosamente
Já as decisões aplicadas a pessoas singulares serão canceladas do registo oficiosamente, i.e., sem necessidade de requerimento para o efeito, excluindo as regras aplicáveis aos crimes inc. no capítulo V do título I do livro II do Código Penal, cujo cancelamento ocorre após 25 anos da extinção da pena, principal ou de substituição, ou da medida de segurança, e desde que, entretanto, não tenha ocorrido nova condenação por crime (cfr. n.º 1 do art. 4.º da Lei n.º 113/2009, de 17 de setembro), em regra, nos seguintes prazos e termos:
Pena de prisão ou medida de segurança de duração inferior a 5 anos: decorridos 5 anos da extinção da pena ou medida de segurança, desde que não tenha sido cometido nova condenação por crime de qualquer natureza;
Pena de prisão ou medida de segurança de duração entre 5 e 8 anos, inclusive: decorridos 7 anos da extinção da pena ou medida de segurança, desde que não tenha sido cometido nova condenação por crime de qualquer natureza;
Pena de prisão ou medida de segurança de duração superior a 8 anos: decorridos 10 anos da extinção da pena ou medida de segurança desde que não tenha sido cometido nova condenação por crime de qualquer natureza.
Pena de multa a título principal: decorridos 5 anos da extinção da pena, desde que não tenha sido cometido nova condenação por crime de qualquer natureza;
Pena substitutiva da pena principal: decorridos 5 anos da extinção da pena, desde que não tenha sido cometido nova condenação por crime de qualquer natureza;
Dispensa de pena: decorridos 5 anos do trânsito em julgado.
Pena de admoestação: decorridos 5 anos da sua execução.
Pena suspensa na sua execução: prazos aplicáveis ás penas substitutivas da pena principal, a partir do termo do período da suspensão.
Em caso de aplicação de penas principais e acessórias, consideram-se os prazos após a extinção da de maior duração
(cfr. art. 11.º da LIC)
4.2 Não transcrição das decisões proferidas
Relativamente à não transcrição das decisões proferidas, dispõe o n.º 1 do art. 13.º da LIC que os tribunais podem não proceder à transcrição da sentença nos registos criminais nos certificados do registo criminal requeridos para fins de emprego (público ou privado), ou para exercício de profissão ou atividade em Portugal (n.º 5 do art. 10.º da LIC) e com vista ao exercício de profissões ou atividades que exijam a ausência, total ou parcial, de antecedentes criminais, ou a avaliação da idoneidade da pessoa (n.º 6 do art. 10.º LIC), desde que verificados os seguintes requisitos:
a) A pena aplicada ser de pena de prisão até 1 ano ou ser aplicada uma pena não privativa de liberdade (ainda que de maior duração, e inclusive pena de prisão suspensa na sua execução);
b) O arguido não tiver sido condenado anteriormente por crime da mesma natureza;
c) Das circunstâncias que acompanham o crime não se puder induzir perigo para a prática de novos crimes.
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No caso de ser aplicada qualquer interdição, a não transcrição apenas poderá ocorrer posteriormente.
Neste âmbito tem havido discussão na doutrina e jurisprudência dos tribunais superiores quanto às penas acessórias (por ex., de proibição de conduzir veículos motorizados), vigorando um entendimento segundo o qual as mesmas deverão ser consideradas como uma interdição, pelo que apenas após cumprimento da mesma poderá a pena não ser transcrita para o certificado de registo criminal, e um outro contrário, que não considera como tal, admitindo a não transcrição imediatamente após trânsito em julgado da decisão.
Tal não transcrição pode ser proferida na sentença/acórdão proferido ou através de despacho posterior, neste último caso no seguimento de requerimento apresentado para o efeito.
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Distintas regras serão aplicáveis quanto ao cancelamento e à não transcrição das decisões proferidas no caso de dizerem respeito à prática de crimes previstos no capítulo V do título I do livro II do Código Penal, sob epígrafe “crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual” e nos artigos 152.º e 152.º-A do Código Penal (“Violência Doméstica” e “Maus Tratos”, respetivamente), para o que deverá ser considerada a Lei n.º 113/2009, de 17 de setembro.
Neste caso, sem prejuízo de outras peculiaridades, destacamos o facto de que, para efeitos de exercício de emprego, profissão ou atividade que envolva contacto regular com menores, não operará a não transcrição dos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual cometidos, e o cancelamento estará dependente, para além dos requisitos enunciados no art. 12.º da LIC, da realização de perícia de carácter psiquiátrico. – cfr. art. 2.º e 4.º da Lei n. 113/2009, de 17 de setembro.
5. Partilha de informação internacional
5.1 Quanto às decisões proferidas por Tribunais Estrangeiros, e no seguimento do disposto na al. c) do n.º 5 do art. 10.º da LIC acima transcrito, de destacar que as decisões que constam dor registo especial de decisões estrangeiras referentes a maiores de 16 anos são registadas no registo criminal, desde que os factos sejam punidos por crime pela lei portuguesa, e que, em regra, as penas id. em supra a) serão conservadas no registo nos termos descritos no art. 11.º da LIC, exceto se for recebida informação da supressão ou cancelamento das penas pelo Estado membro em que foi proferida. (cfr. art. 27.º da LIC).
5.2 Quanto às decisões proferidas pelos Tribunais Portugueses, serão comunicados aos serviços de identificação criminal das autoridades centrais estrangeiras, as quais serão acessíveis aos Estados Membros da União Europeia. (cfr. arts. 27.º e 28.º da LIC).
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6. Autodeterminação Sexual e Liberdade Sexual De Menor - Identificação Criminal De Condenados
A Lei n.º 103/2015, de 24 de Agosto, veio instituir o “sistema de registo de identificação criminal de condenados por crimes contra a autodeterminação sexual e a liberdade sexual de menor constitui uma base de recolha, tratamento e conservação de elementos de identificação de pessoas condenadas por crimes contra a autodeterminação sexual e a liberdade sexual de menor”.
Esta base de dados não coincide com o registo criminal descrito nos pontos que antecedem.
Neste âmbito, passam a constar desta base de dados a informação referente às seguintes decisões, proferidas contra cidadão nacionais e não nacionais residentes em Portugal, e que condenaram pela prática de crimes contra a autodeterminação sexual e a liberdade sexual de menor:
“a) As decisões que apliquem penas e medidas de segurança, as que determinem o seu reexame, substituição, suspensão, prorrogação da suspensão, revogação e as que declarem a sua extinção;
b) Os acórdãos de revisão e de confirmação de decisões condenatórias estrangeiras;
c) As decisões de inibição de exercício de responsabilidades parentais, da tutela ou da curatela;
d) As decisões de proibição do exercício de profissão, função ou atividade que impliquem ter menores sob sua responsabilidade, educação, tratamento ou vigilância.”
(cfr. art. 2.º da Lei n.º 103/2015, de 24 de Agosto)
Quanto ao acesso à informação que consta desta base de dados, poderão aceder os magistrados judiciais e do Ministério Público, a Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais e as Comissões de Proteção das Crianças e Jovens, nos termos legalmente previstos e no âmbito das suas competências.
Já os cidadãos que exerçam responsabilidades parentais sobre menor até aos 16 anos poderão também requerer informações quanto a informação cosntante desta base de dados, de maneira a averiguar e confirmar fundados receios, sem que, em nenhum momento, lhe sejam prestadas informações pessoais.
(cfr. art. 16.º da Lei n.º 103/2015, de 24 de Agosto).
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