Acórdão do T.R. de Coimbra proferido no âmbito do processo 107/23.6T8FCR.C1, datado de 30-09-2025
- Tiago Oliveira Fernandes
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Analisa a base de apuramento do rendimento [se mensal ou anual] a considerar para efeitos de cedência à fidúcia.
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Em determinado processo de insolvência, em que a insolvente benéfica do regime da exoneração do passivo restante, auferiu salário/remunerações superior à parcela a que no âmbito da referida exoneração tem direito a ficar num determinado mês.
Nessa sequência, foi advertido pelo Administrador de Insolvência e respetivo Tribunal que deveria proceder à entrega da quantia que excedia tal parcela do salário.
Entende o insolvente que não deveria entregar, alegado para o efeito que o valor a ceder deverá ser apurado através da divisão, pelos 12 meses do ano, dos subsídios auferidos pela insolvente (natal e férias).
Ora,
Entendeu o T.R: Coimbra que, quando não há rendimento disponível em determinado mês, não há cessão de rendimentos, não nascendo por esse facto o direito do devedor compensar ou deduzir, nos rendimentos futuros, a ausência de rendimentos ou rendimentos inferiores ao que foi estabelecido como o razoavelmente necessário para o sustento dele e da família.
Conforme preconiza o referido aresto, “só se compreenderia tal direito de compensação ou de dedução se se configurasse a subalínea i) da alínea b), do n.º 3 do artigo 239.º do CIRE como uma garantia de rendimento a favor do devedor ao longo do período da cessão. Sucede que não é este o sentido da garantia de tal norma. Ela não garante rendimentos ao devedor. O que ela garante é que uma parcela dos seus rendimentos, havendo-os, não será atingida pela cedência ao fiduciário. Garante-se uma exclusão se houver rendimentos.
Por isso, a citada norma do artigo 239.º, tem de ser lida com o sentido de que o apuramento dos rendimentos objecto de cessão para efeitos da alínea c) do n.º 4 do artigo 239.º do CIRE deve ser feita por referência aos rendimentos do devedor e ao período de um mês - a introdução de um mecanismo correctivo em que se decida que, nos meses em que os rendimentos sejam inferiores ao valor do ordenado mínimo nacional, a entrega do montante não é realizada é suficiente para garantir a equidade concreta normativamente exigida.”
(negrito e sublinhado nosso).
Ou seja,
Sendo a cessão do rendimento disponível estabelecido numa base mensal, não pode o apuramento do rendimento disponível ser feito numa base anual.
Os subsídios de férias e de Natal consubstanciam rendimentos disponíveis do devedor correspondem a um complemento à retribuição auferida nos outros 12 meses do ano, tendo, além do mais, a função de auxiliar nas despesas potencialmente acrescidas em época de férias ou no período do Natal.
Citando um outro Acórdão do TRC de 08/04/2025,
“A circunstância de, quer a informação do fiduciário (art. 240.º, n.º 2, parte final do CIRE), quer a notificação da cessão aos credores (art. 241.º do CIRE), revestirem a periodicidade anual não significa que a obrigação do devedor de entregar o rendimento objeto de cessão tenha em conta o seu rendimento anual, apresentando-se aquelas apenas como um meio para que os credores e o tribunal conheçam, ainda que sucintamente, os rendimentos comunicados, os valores entregues pelo devedor e em que termos foram afetados.
(…)
a recorrente/exonerada não demonstrou, nem resulta inequívoco dos autos, estarmos confrontados com esse risco; ou seja, que, em concreto, a aplicação do critério legalmente fixado (o da entrega imediata da parte do rendimento disponível), implique o perigo de, em determinados meses, auferir rendimento inferior ao do fixado como necessário ao sustento minimamente digno, risco que só poderia ser neutralizado, concedendo-lhe a pretensão de, em determinados meses, conservar em seu poder capital para utilizar noutros em que o rendimento não alcance o valor indisponível.”
Como tal, decidiu o Tribunal da Relação de Coimbra confirmar a decisão proferida pelo Tribunal a quo, declarando que a insolvente se encontra em dívida perante a fidúcia nos montantes que, em cada mês, excederam o rendimento disponível de acordo com o fixado judicialmente no âmbito do incidente de exoneração do passivo restante, porquanto “a interpretação do art. 239.º, n.º 4, al. c), do CIRE no sentido de impor ao devedor a obrigação de entregar imediatamente/mensalmente os rendimentos recebidos ao fiduciário sem operar a compensação dos rendimentos com os montantes auferidos nos meses anteriores e posteriores não viola os arts. 1.º, 67.º e 205.º, n.º 2, da CRP.”
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Sumário:
“I – A exoneração do passivo restante não assenta na desresponsabilização do devedor. Implica empenho e sacrifício do devedor no sentido de que deve comprimir ao máximo as suas despesas, reduzindo-as ao estritamente necessário, em contrapartida do sacrifício imposto aos credores na satisfação dos seus créditos, por forma a se encontrar um equilíbrio entre dois interesses contrapostos - está em causa a conciliação de dois interesses conflituantes: de um lado, o interesse dos credores dos insolventes/requerentes da exoneração e, de outro, os dos insolventes/requerentes. A sua harmonização prática impõe uma redução do nível de vida dos insolventes, conforme com as circunstâncias económicas em que se encontram e que estão na base da declaração de insolvência.
II – A fixação de um rendimento indisponível não visa assegurar a manutenção do padrão de vida anterior à declaração de insolvência, mas apenas uma vivência minimamente condigna, cabendo ao beneficiado pela solução legal adequar-se à especial condição em que se encontra, ajustando as despesas ou encargos e o seu nível de vida, em general e na medida do possível, à realidade em que se encontra.
III – Depois, não havendo rendimento disponível não há cessão de rendimentos, pelo que, não nasce a favor do devedor o direito de compensar ou de deduzir, nos rendimentos futuros, a ausência de rendimentos ou rendimentos inferiores ao que foi estabelecido como o razoavelmente necessário para o sustento dele e da família.
IV – A interpretação do art. 239.º, n.º 4, al. c), do CIRE no sentido de impor ao devedor a obrigação de entregar imediatamente/mensalmente os rendimentos recebidos ao fiduciário sem operar a compensação dos rendimentos com os montantes auferidos nos meses anteriores e posteriores não viola os arts. 1.º, 67.º e 205.º, n.º 2, da CRP..”
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