Acórdão do S.T. Justiça, proferido no âmbito do processo 5850/20.9T8BRG.G1.S1, datado de 06-11-2025
- Tiago Oliveira Fernandes

- 13 de nov.
- 4 min de leitura
Analisa a possibilidade de se considerar o jogo das “apanhadas” como atividade perigosa
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Determinada criança que se encontrava a frequentar o 5.º ano escolar sofreu um acidente que lhe causou lesões, enquanto se encontrava a jogar o “jogo das apanhadas” dentro do estabelecimento escolar, pelas 17h45m.
O acidente foi considerado pela escola como acidente escolar.
O estabelecimento escolar possuía um seguro escolar que previa apenas as seguintes coberturas por pessoa:
MORTE POR ACIDENTE - limite de 5.000,00 €; INV.PERM. por ACIDENTE. - limite de 5.000,00 €, DESP.TRAT. ACIDENTE. - Limite 500,00 €.
É nessa senda que a progenitora do aluno/criança pretende que o jogo da apanhada seja considerado atividade perigosa, enquadrada no n.º 2 do art. 493.º do Código Civil, por forma a exigir o pagamento de todos os danos causados pela referida brincadeira.
Pois que determina o n.º 2 do art. 493.º do C.C: que “Quem causar danos a outrem no exercício de uma actividade, perigosa por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, é obrigado a repará-los, excepto se mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir.”
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Nessa senda, de frisar que, no âmbito do processo n.º 5850/20.9T8BRG.G1, foi proferido Acórdão pelo Tribunal da Relação de Guimarães a julgar improcedente o recurso interposto pela A. quanto à decisão que absolveu o respetivo estabelecimento escolar e seguradora do contra si peticionado, a saber:
“1) da 1ª R., “Colégio ...”, a pagar ao menor a indemnização dos “danos patrimoniais futuros”, descritos no artigo 156º da petição, a quantia de € 20 mil euros;
2) e ainda, a 1ª R., “Colégio ...”, a pagar ao menor a indemnização pelos danos psicológicos sofridos, descritos no artigo 164º e 165º da petição no valor € 20.000 euros;
3) da 1ª R., “Colégio ...”, a pagar ao menor a indemnização pelo dano estético, sofrido, sendo-lhe atribuída uma indemnização descrita no artigo 166º da petição, nunca inferior a € 15.000 euros;
4) da 1ª R., “Colégio ...”, a pagar à A. a indemnização pelos danos patrimoniais, danos materiais futuros e danos morais sofridos por estes, durante o internamento hospitalar e danos futuros, numa indemnização a ambos nunca inferior a como descritos nos artigos 173º e 174º da petição, € 5.375,00 euros;
5) da 2ª R., “Companhia de Seguros EMP02... SA.”, na indemnização, pelos danos materiais já sofridos e futuros, pelo menor e AA. descritos nos artigos da petição inicial, até ao limite do valor por que se responsabilizou em virtude do contrato de seguro titulado pela Apólice ...31.”
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Para tanto, alegou, além do mais, que
“ 7 (…) não sendo as brincadeiras de crianças, em si mesmo, uma atividade perigosa - art 493°, n°2, do Código Civil, o mesmo já não se pode dizer se as mesmas envolverem movimentos imprevisíveis e fora da sala de aula, o que envolvia um risco especialmente agravado e exigia redobrada prudência e vigilância da ré
(…)
16. Pelas caraterísticas das infraestruturas onde ocorreu o sinistro, o recreio, que não resulta que esteja adaptado à prática de "corridas", e pela própria conceção das atividade e natureza, as corridas e o toque, envolve uma especial aptidão produtora de danos. Até porque falamos de crianças.
(…)
20. Ao não considerar esta uma atividade perigosa, o douto Tribunal violou a ratio que protege a norma. O aumento de probabilidade de ocorrência de sinistros, como condão que nos orienta na aferição da atividade como perigosa, ou não.
21. Se existiu um aumento do risco de danos, como de facto ocorreu, sempre se terá de integrar a atividade do "jogo das apanhadinhas", como aquelas que envolvam movimentos bruscos no recreio, como uma atividade perigosa, enquadrável no regime previsto no artigo 493.°, n.° 2 do Cód. Civil.
22. Esta questão merece uma melhor apreciação, até porque as questões respeitantes à responsabilidade emergente de acidentes escolares, por a tal eventualidade estar constantemente exposta uma “
Ora,
Entendeu o STJ que
“Assim, pese embora os lamentáveis danos sofridos pelo AA, danos que podem ocorrer em qualquer brincadeira entre crianças, o jogo das apanhadinhas tal como o conhecemos, e, encheram a infância de todos nós, não é uma actividade intrinsecamente perigosa seja pelas regras do jogo, seja pelos meios empregues na sua execução. Quanto aos meios do jogo, as crianças a brincar com utilização do seu próprio corpo, energia e alegria, em abstracto será das actividades menos perigosas que se conhecem situando-se no campo diametralmente oposto aos explosivos, às armas, às derrocadas, aos deslizamentos de terra, uso de engenhos de força muito superior ao ser humano e capazes de o destruir, à navegação aérea, marítima ou rodoviária.
As regras são apenas: “corre, e, eu tento apanhar-te … e isso vai acabar a fazer-nos rir profundamente no meio de muito cansaço”.
(…)
No jogo das apanhadinhas existe, além disso um factor que sempre teria que ser tido em conta na sua classificação de actividade perigosa, que reside na circunstância de ser uma actividade muito benéfica, porventura mesmo imprescindível para o desenvolvimento psico-motor, social e cognitivo das crianças através do qual desenvolvem os seus músculos, os seus reflexos, a sua capacidade de definir estratégias, mas, também, as suas capacidades sociais de relacionamento com os seus pares, e, neste caso, praticadas ao ar livre, o seu contacto com o mundo exterior real separado dos ecrãs.
Não que não possa causar danos, como infelizmente causou, e que os recintos onde ocorre não devam estar limpos, sem obstáculos perigosos, sem piso escorregadio, mas, por, ainda assim, se afigurar a prática de tal jogo quase como imperativo da promoção do desenvolvimento infantil saudável e equilibrado.
As corridas das crianças no recreio aumentam naturalmente o risco de quedas, mas são muito mais saudáveis que se permanecerem sentadas a olhar para o telemóvel, o que lhes causa danos de postura, de visão, de desenvolvimento psico-motor, e, sobretudo de perda de contacto social com as demais crianças que estão no recreio, e, com o mundo real que as rodeia.”
Consequentemente, confirmou a decisão, absolvendo a escola e a companhia de seguros do peticionado.
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Sumário:
“O jogo das apanhadinhas, praticado no recreio da escola por crianças do 5.º ano de escolaridade, não preenche o conceito de exercício de actividade perigosa nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 493.º, n.º 2 do Código Civil...”








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