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Acórdão do S.T. Justiça, proferido no âmbito do processo 29923/23.7T8LSB.L1.S1, datado de 28/05/2025

  • Foto do escritor: Tiago Oliveira Fernandes
    Tiago Oliveira Fernandes
  • 2 de jun.
  • 6 min de leitura

Analisa a presunção de existência de relação laboral existentes entre um estafeta da plataforma “Glovo” e a entidade que a explora - Glovoapp Portugal Unipessoal, Lda..

 

*

 

Na sequência de recurso interposto pelo Ministério Público, foi analisado pelo Supremo Tribunal de Justiça a relação jurídica existente entre um estafeta da plataforma “Glovo” e a respetiva plataforma, nomeadamente tendo em consideração os índices de presunção cuja verificação permite que seja reconhecida a existência de uma relação laboral.

 

Para esse efeito, releva essencialmente o disposto no n.º 1 do art. 12.º do Código de Trabalho, de acordo com o qual

“1 - Presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre a pessoa que presta uma actividade e outra ou outras que dela beneficiam, se verifiquem algumas das seguintes características:

a) A actividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado;

b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da actividade;

c) O prestador de actividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma;

d) Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de actividade, como contrapartida da mesma;

e) O prestador de actividade desempenhe funções de direcção ou chefia na estrutura orgânica da empresa.”

 

Sendo que, de acordo com o art. 11.º do C.T.,

Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas.”

 

Ora,

 

No caso concreto estamos perante uma presunção ilidível, i.e., que admite prova em contrário.

Sucede que,

 

Em relação ao estafeta da plataforma “Glovo” e a respetiva plataforma, entenderam os Juízes Conselheiros que estavam verificados todos os pressupostos / presunções previstas no n.º 2 do referido art.12.º, à exceção da al. d) (i.e.,) als. a), b), c), e) e f)).

 

Ressalvou ainda que os poderes de direção, supervisão e controle são elementos essenciais da relação laboral e são índices especialmente fortes a considerar para o efeito.

 

Por outro lado, o estafeta, enquanto elemento do respetivo serviço de entregas, encontra-se abrangido por um seguro de acidentes pessoais.

 

Em relação aos instrumentos de trabalho evidenciaram a utilização obrigatória da plataforma digital e aplicações a ela associadas (App), as quais configuram instrumento de trabalho, enquanto “intermediário tecnológico no processo de transmissão dos dados relativos aos pedidos formulados pelo utilizador-cliente”, de maneira a que “não assume relevo decisivo o facto de o estafeta escolher a área em que trabalha, poder recusar serviços e conectar-se/desconectar-se da aplicação sempre que o entenda, sem ter de cumprir qualquer horário predefinido, nem de cumprir qualquer limite mínimo de tempo de disponibilidade”.

 

Em relação ao pagamento da retribuição e forma de cálculo, no caso concreto o trabalhador trabalhava para a aplicação diariamente, e a forma de pagamento acordada correspondia a um “cálculo da retribuição se reconduz, no fundo, a uma forma modificada do salário por tempo”.

 

Em relação aos poderes de direção e fiscalização, relevaram ainda o facto de que a entidade que explora a plataforma “Glovo” controlava e supervisionava a atuação do trabalhador, tendo inclusive a possibilidade de exercer o poder disciplinar, mediante a suspensão ou desativação da respetiva conta.

 

A única ressalva ressalvada efetuada diz respeito ao facto de o estafeta pagar à “Glovo” uma taxa pela utilização da plataforma.

 

Não obstante, considerando que, por um lado, que se deve ter em consideração uma perspetiva holística do fenómeno, e que a utilização de cláusulas contratuais impostas unilateralmente é uma realidade que a presunção ínsita no art. 12.º visa combater, não será de dar grande relevância a tal facto.

 

Tudo isto, aliado ao facto de que inexiste qualquer obrigação de resultado por parte do estafeta, bem como que não assume qualquer risco financeiro ou económico, demonstram para os Juízes Conselheiros a não está ilidida a presunção do contrato de trabalho, pelo que é de reconhecer a existência de uma relação de trabalho subordinado entre o estafeta e a empresa que explora a plataforma “Glovo”.

 

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Sumário:

“            

I. No caso vertente, está assente que se encontram verificados os índices da presunção de laboralidade previstos nas alíneas a), b), c), e) e f) do n.º 1 do art. 12.º-A, do Código do Trabalho, ou seja, um total de cinco elementos em seis possíveis.

II. Para além desta significativa expressão quantitativa, acresce que estão verificados os índices de subordinação previstos nas alíneas a) e c), que são especialmente fortes, uma vez que os poderes de direção, supervisão e controle são elementos essenciais da relação laboral.

III. Sendo certo que a qualificação de determinada situação jurídica exige sempre uma abordagem holística, em que todos os factos e circunstâncias relevantes são tidos na devida conta, a favor de uma relação de trabalho subordinado, há a considerar, desde logo, uma forte inserção do estafeta na organização algorítmica da R., encontrando-se o mesmo, inclusivamente, enquanto elemento do respetivo serviço de entregas, abrangido por um seguro de acidentes pessoais.

IV. Conexamente com este elemento organizacional, também assume especial relevo a circunstância de pertencerem e serem geridas/exploradas pela R. a plataforma digital e aplicações a ela associadas (App), as quais – enquanto intermediário tecnológico no processo de transmissão dos dados relativos aos pedidos formulados pelo utilizador-cliente –são os instrumentos de trabalho essenciais do estafeta.

V. Toda a sua atividade está condicionada pela efetiva ligação/conexão a estas ferramentas digitais, pelo que, neste contexto, não assume relevo decisivo o facto de o estafeta escolher a área em que trabalha, poder recusar serviços e conectar-se/desconectar-se da aplicação sempre que o entenda, sem ter de cumprir qualquer horário predefinido, nem de cumprir qualquer limite mínimo de tempo de disponibilidade.

VI. O estafeta encontrava-se na dependência económica da ré e trabalhou regularmente, em regra, diariamente. A existência de um horário de trabalho não é elemento essencial do contrato de trabalho, tal como nada obsta a que o trabalhador seja pago “à peça”, sendo que esta forma de cálculo da retribuição se reconduz, no fundo, a uma forma modificada do salário por tempo. Também não é de valorizar a circunstância de o estafeta poder alterar o valor base dos serviços mediante a aplicação de um multiplicador, uma vez que esta ferramenta era disponibilizada pela própria ré e dentro dos limites por esta fixados.

VII. Independentemente da margem de liberdade reconhecida ao estafeta no exercício da sua atividade, é indiscutível que esta é desenvolvida num quadro de regras específicas definidas pela empresa, a qual – nos termos que tem por adequados e consentâneos com a prossecução do seu modelo de negócio – também controla e supervisiona a atuação da contraparte, tal como tem a possibilidade de exercer o poder disciplinar, mediante a suspensão ou desativação da respetiva conta.

VIII. Tudo a sugerir, pois, que o estafeta igualmente se encontrava sujeito à autoridade da R., sendo certo que a subordinação pode ser meramente potencial, não sendo necessário que se traduza em atos de autoridade e direção efetiva.

IX. O conjunto de factos provados que de forma mais nítida aponta no sentido de uma relação de trabalho autónomo não é, naturalmente, desvalorizável. Mas, para além de tudo o que já antes ficou dito, impõe-se ter presente que (com maior ou menor expressão) tais elementos são os habitual e tipicamente verificados no plano das relações estabelecidas entre os estafetas e as empresas detentoras de plataformas digitais, elementos já oportunamente ponderados pelo legislador nacional – bem como pelas instâncias e vários países da União Europeia – e que não obstaram à introdução da presunção de laboralidade em apreço no ordenamento jurídico, a qual foi consagrada nos termos tidos por mais adequados e que são obrigatórios para os tribunais.

X. Não pode deixar de reconhecer-se que o facto de o estafeta pagar à R. uma taxa pela utilização da plataforma contrasta especialmente com a matriz típica de uma relação de trabalho subordinado.

XI. Todavia, de forma alguma se pode conferir a este elemento, só por si, relevância decisiva, tanto mais que, como se sabe, o recurso a cláusulas contratuais com características de autonomia se encontra com frequência associado ao abuso do estatuto de trabalhador independente e às relações de trabalho encobertas, flagelo que com a presunção de laboralidade em apreço se visou, precisamente, combater.

XII. Sem deixar de assinalar que, ao invés, no sentido da subordinação, há ainda a considerar o facto de o estafeta não ter qualquer obrigação de resultado para com a contraparte, bem como a circunstância de ele não assumir algum risco financeiro ou económico, conclui-se que a ré não logrou ilidir a presunção de contrato de trabalho no âmbito de plataforma digital.”              




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