Acórdão do S. T. Justiça, proferido no âmbito do processo 1481/19.4T8PVZP1.S1, datado de 18-09-2025
- Tiago Oliveira Fernandes

- 25 de set.
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Analisa as consequências da exclusão da cláusula referente à definição de incapacidade absoluta e definitiva num contrato de seguro, por violação do dever de informação e esclarecimento do aderente.
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Determinado aderente sofreu um sinistro, tendo ficado a padecer de incapacidade permanente parcial de 88,2252%, bem como foi atribuída incapacidade permanente absoluta para a atividade profissional habitual.
De acordo com o contrato de seguro celebrado, invalidez absoluta e definitiva era definida como “a pessoa segura será considerada em estado de Invalidez Absoluta e Definitiva quando se encontrar totalmente incapaz para o exercício de qualquer actividade lucrativa e necessite de recurso à assistência de uma terceira pessoa para os atos ordinários da vida humana”.
No caso foi dado como provado, além do mais, que
“12. As propostas referidas em 1) e 2) foram preenchidas pelos funcionários do Banco réu e, subsequentemente, dadas ao autor para apor a sua assinatura.
13. Durante o preenchimento das propostas referidas em 1) e 2) a cláusula referida em 5) foi lida ao autor, sem outra explicação, sendo aconselhado a ler as condições gerais e especiais em casa e a colocar as dúvidas que surgissem.
14. As condições especiais e gerais não foram fornecidas ao autor antes do preenchimento e assinatura das propostas referidas em 1) e 2).
15. Não foi explicado ao autor que para que se encontrasse em ‘invalidez absoluta e definitiva’ era preciso que deixasse de ser capaz de exercer qualquer atividade produtora de rendimentos e de ser autónomo para tarefas básicas da vida diária como comer, vestir-se ou fazer a sua higiene.”
(…)
18. Após a assinatura dos documentos referidos em 1) e 2), a ré CEMG entregou ao autor as condições gerais e especiais do seguro aí referido.”
Entendeu o Tribunal da Relação que, dando como provada a violação do dever de esclarecimento quanto à cláusula referente à definição de incapacidade absoluta e definitiva, considerou toda a cláusula como excluída dos contratos, “passando a averiguar do sentido do conceito de invalidez absoluta e definitiva constante das demais cláusulas contratuais em função dos parâmetros normativos (art. 236.º do CC) da interpretação dos negócios jurídicos”, enunciando a questão nos seguintes termos:
““A questão a decidir consiste em apreciar se o conceito de estado de invalidez absoluta e definitiva, para um declaratário normal, colocado na concreta posição do autor, significa incapacidade absoluta (total, por contraposição a parcial) e definitiva (permanente, por oposição a temporária) para o exercício da profissão habitual (ou semelhante, em termos de desempenho físico/intelectual e até ao nível dos rendimentos propiciados) ou antes traduz a incapacidade absoluta e definitiva para o exercício de qualquer actividade/profissão remunerada (não apenas para o trabalho habitual, mas antes uma perda, completa e definitiva, da capacidade laboral - um estado de incapacidade para todo e qualquer trabalho para o resto da vida)”,
tendo concluído pela primeira definição.
Nessa sequência, tornou-se necessário determinar o conceito de “invalidez absoluta e definitiva”.
Como tal, decidiu o STJ que
“Não existindo uma definição legal, o percurso definidor desse conceito de invalidade permanente tem que considerar as condicionantes aludidas, assumindo natural destaque o interesse (e finalidade racional) do contrato de seguro e o contexto de coligação imposta com os contratos de financiamento.
(…)
É relevante a invalidez, por isso, que, em concreto, se traduz em restrições que, atendendo aos esforços, capacidades e qualificações específicas da profissão exercida, inviabilizam sem mais a manutenção da profissão ou outra com rendimentos equiparáveis, mesmo que sem necessária articulação com os constrangimentos que frustrem a conservação das tarefas da vida diária com a autonomia apresentadas no momento pré-sinistro”
O STJ agrupa as decisões que têm vindo a ser proferidas em 4 grupos distintos, nos seguintes termos:
“(i) Aquelas decisões em que se procura interpretar, de forma mais ou menos estrita, mas sem se pôr em causa a respectiva validade, a cláusula de um contrato de seguro de vida e invalidez, acoplada a um contrato de mútuo bancário, em que o conceito de invalidez se encontra definido em termos idênticos aos da cláusula 2ª, ponto 1, dos contratos dos autos. Ver os acórdãos de 02.11.2023 (proc. n.º 1132/20.4T8PDL.L1.S1), de 17-09-2024 (proc. n.º 1175/16.2T8VLG.P1.S1) e de 11-02-2025 (proc. n.º 795/19.8T8PVZ.P1.S1), todos disponíveis em www.dgsi.pt;
(ii) Aquelas decisões nas quais se discute se tem ou não carácter abusivo a cláusula de um contrato de seguro de vida e invalidez, acoplada a um contrato de mútuo bancário, na qual o conceito de invalidez se encontra definido em termos idênticos aos da cláusula 2ª, ponto 1, dos contratos dos autos. Ver, com decisões em sentidos não convergentes, os acórdãos de 07/10/2010 (proc n.º 1583/06.7TBPRD.L1.S1), de 27/5/2010 (proc. n.º 976/06.4TBOAZ.P1.S1), de 09-02-2012 (proc. n.º 1222/09.4TBPNF.P1.S1), de 18/09/2014 (proc. n.º 2334/10.7TBGDM.P1.S19, de 14/12/2016 (proc. n.º 1724/11.2TVLSB.L1.S1), de 02-03-2021 (proc. n.º 2615/18.1T8VRL.G1) e de 04-04-2024 (proc. n.º 3065/16.0T8BRG.G1.S1), todos consultáveis em www.dgsi.pt;
(iii) Aquelas decisões em que, num contrato em que a cláusula que contém a definição de invalidez, foi declarada nula por o seu conteúdo ser considerado abusivo, se pretende apurar qual o significado do conceito de invalidez absoluta e definitiva utlizado no clausulado não afectado pela nulidade. Ver o acórdão de 11-05-2023 (proc. n.º 437/18.9T8CTB.C1.S1), in www.dgsi.pt, bem como o acórdão de 27-02-2020, cuja orientação vimos acompanhando de perto;
iv) Aquelas decisões em que, num contrato em que a cláusula que contém a definição de invalidez foi excluída por violação dos deveres de comunicação e de esclarecimento, se pretende determinar qual o significado do conceito de invalidez absoluta e definitiva utilizado no demais clausulado. Ver os acórdãos de 29-03-2011 (proc. n.º 313/07.0TBSJM.P1.S1), in www.dgsi.pt, e de 16-06-2011 (proc. n.º 762/05.9 TBSJM.P1.S1), não publicado.”
Relevando o caso em apreço quanto às diversas possibilidades interpretativas entendeu o STJ enquadrar-se nesta última opção, acolhendo ao Sumário proferido pelo Tribunal da Relação, no sentido de que
“I - O conceito relevante de invalidez permanente (ou absoluta e definitiva) enquanto integrante de cláusula de contrato de seguro do ramo Vida, associado a contratos de mútuo bancário em que o segurado é mutuário, assenta: (i) na sua base, numa deficiência física e/ou intelectual que, não obstante os cuidados, os tratamentos e os acompanhamentos, clínicos e reabilitadores, realizados depois do sinistro, subsiste a título definitivo em sede anatómica-funcional e/ou psicossensorial e (ii) concretiza-se, independentemente do seu nível ou grau ou percentagem de incapacidade (desde que não seja residual ou insignificante), em consequência (enquanto impacto decisivo) na alteração ou modificação do estado de vida, pessoal e profissional, anterior ao sinistro.
II - Para esse juízo sobre o reflexo do sinistro, há que ter em conta, numa ponderação múltipla e não individualmente exclusiva, nomeadamente, a actividade anteriormente desenvolvida como fonte de rendimentos, a idade e o tempo restante de vida activa profissional, a perda de independência psico-motora, o tipo de doença ou restrição de saúde, as habilitações e capacidades literárias e profissionais da pessoa segura e a possibilidade de reconversão para actividade compatível com essas habilitações e capacidades com igual ou aproximada medida de rendimentos, sempre com enquadramento na situação remuneratória concreta (e projecção na capacidade de ganho) do segurado após a estabilização das sequelas do sinistro.”,
Mais decidiu o STJ que esta definição e decisão não impõe um “sério e oneroso desequilíbrio nas prestações a satisfazer pela [seguradora] face à contrapartida do prémio cobrado, o que é gravemente atentatório da boa fé”, nos termos e para os efeitos do art. 9.º do DL n.º 446/85, de 25 de Outubro.
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Sumário:
“I. Se a definição do conceito de invalidez absoluta e definitiva, constante de determinada cláusula de um contrato de seguro, foi excluída dos contratos dos autos por o seu significado não ter sido devidamente explicado ao aderente, considerando-se que, sem essa explicação, o mesmo não poderia contar que a invalidez absoluta e definitiva assim fosse definida, então não poderá admitir-se que, na interpretação das demais cláusulas segundo os critérios gerais da interpretação das declarações negociais, se atribua a essa expressão o sentido da definição excluída.
II. Sufraga-se a orientação jurisprudencial deste STJ de acordo com a qual, para preencher o conceito de invalidez absoluta e definitiva não definido no contrato, releva “a invalidez (…) que, em concreto, se traduz em restrições que, atendendo aos esforços, capacidades e qualificações específicas da profissão exercida, inviabilizam sem mais a manutenção da profissão ou outra com rendimentos equiparáveis”.
III. A alegação e prova da existência de “um desequilíbrio nas prestações gravemente atentatório da boa fé” para efeitos de declaração da nulidade dos contratos ao abrigo do art. 9.º, n.º 2, da LCCG, cabe à seguradora (cfr. art. 342.º, n.º 1, do CC) e implica a alegação e prova dos quantitativos em causa; sem isso, não é possível apurar da existência ou não de um desequilíbrio entre as prestações que seja de tal modo significativo que atente contra o princípio da boa fé.”








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