top of page

Acórdão do T.R. Lisboa, proferido no âmbito do processo 334/20.8EALSB-A.L1-5, datado de 19-12-2024

Foto do escritor: Tiago Oliveira FernandesTiago Oliveira Fernandes

Analisa a legitimidade do Ministério Público para emitir mandados de busca em consultório de estética, onde existem indícios de ocorrer a prática de atos médicos e, dessa forma, enquadrado na prática de um crime de usurpação de funções, p.p. al. b) do art. 358.º do Código Penal.

 

*

 

Em relação ao crime de usurpação de funções em causa nos presentes autos, prevê a al. b) do art. 358.º do C.P. que “Quem Exercer profissão ou praticar acto próprio de uma profissão para a qual a lei exige título ou preenchimento de certas condições, arrogando-se, expressa ou tacitamente, possuí-lo ou preenchê-las, quando o não possui ou não as preenche é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias”.

 

Quanto às buscar, prevê o n.º 3 do art. 177.º do C.P.P. que “3 - As buscas domiciliárias podem também ser ordenadas pelo Ministério Público ou ser efectuadas por órgão de polícia criminal: a) Nos casos referidos no n.º 5 do artigo 174.º, entre as 7 e as 21 horas; b) Nos casos referidos nas alíneas b) e c) do número anterior, entre as 21 e as 7 horas”, e o n.º 5 do referido art. que “Tratando-se de busca em escritório de advogado ou em consultório médico, ela é, sob pena de nulidade, presidida pessoalmente pelo juiz, o qual avisa previamente o presidente do conselho local da Ordem dos Advogados ou da Ordem dos Médicos, para que o mesmo, ou um seu delegado, possa estar presente”.

 

E o n.º 1 do art. 139.º do Estatuto da Ordem dos Médicos que “O segredo médico profissional pressupõe e permite uma base de verdade e de mútua confiança e é condição essencial ao relacionamento médico-doente, assentando no interesse moral, social, profissional e ético, tendo em vista a reserva da intimidade da vida privada”.

 

No caso em apreço, foi pelo Ministério Público promovido junto do Juiz de Instrução a realização de buscas em estabelecimento não autorizado através do qual alegadamente são efetuados serviços na área de medicina e estética por suspeita que não se encontra inscrita na Ordem dos Médicos, nem na Ordem dos Médicos Dentistas nem na Ordem dos Enfermeiros, com a presença de Magistrado Judicial e do Ministério Público, bem assim como representante da Ordem dos Médicos, Enfermeiros, Infarmed e ASAE.

 

Pelo JIC foi decidido que a competência para o efeito era do Ministério Público, porquanto não existem quaisquer indícios de que a suspeita tenha instalado consultório médico na referida clínica estética, e o n.º 5 do art. 177.º do C.P.P. visa tutelar o segredo profissional, no caso o eventual sigilo médico, isto é, a relação médico-paciente.

 

No caso em apreço, está em causa compreender se a busca requerida pelo Ministério Público tem de ser ordenada e presidida pelo JIC.

 

Entendeu o Tribunal da Relação de Lisboa que

“A busca requerida pelo Ministério Público não se enquadra nestas exceções, já que tem por objeto uma clínica de estética, que manifestamente não pode ser comparada a um consultório médico e importa lembrar que o fundamento para a presença de um juiz na busca a consultório médico é a salvaguarda do sigilo médico e, por isso, também ali deve estar um representante da Ordem dos Médicos”.

 

Por outro lado, o Ministério Público admite que não há prova que ali trabalhem médicos ou enfermeiros e que apenas pretendem acautelar essa possibilidade, bem como requereu a presença de mais entidades/representantes do que aquelas que seriam necessárias estivesse em causa um consultório médico (Ordem dos Médicos, Enfermeiros, Infarmed e ASAE).

 

De maneira que julgou improcedente o Recurso, mantendo a decisão de que, nas circunstâncias em causa nos presentes autos, a competência para ordenar a buscar é do Ministério Público e não o JIC; não sendo aplicável o disposto no n.º 5 do art. 177.º do C.P.P..

 

*

 

Sumário:

“I - Nas buscas efetuadas em consultórios médicos têm de ser acautelados os valores intrínsecos ao exercício da respetiva profissão, como seja a salvaguarda do sigilo profissional.

II - O sigilo médico pressupõe e permite uma base de verdade e de mútua confiança e é condição essencial ao relacionamento médico-doente, assentando no interesse moral, social, profissional e ético, tendo em vista a reserva da intimidade da vida privada – cf. artigo 139.º, n.º 1 do Estatuto da Ordem dos Médicos.

III - Estando ainda o processo em fase de inquérito, a autoridade judiciária é o Ministério Público, sendo este o competente para ordenar e emitir os mandados de buscas, com exceção feita às buscas a que alude o artigo 177.º do Código de Processo Penal.

IV - A busca requerida pelo Ministério Público não se enquadra nestas exceções, já que tem por objeto uma clínica de estética, que manifestamente não pode ser comparada a um consultório médico e importa lembrar que o fundamento para a presença de um juiz na busca a consultório médico é a salvaguarda do sigilo médico e, por isso, também ali deve estar um representante da Ordem dos Médicos

V - Se do processo não existem quaisquer indícios que em tal estabelecimento de estética também seja um consultório médico ou de que algum médico aí exerça funções, o Ministério Público tem a competência para emitir os mandados de busca.” 




Comments


Commenting has been turned off.
bottom of page