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  • Foto do escritorTiago Oliveira Fernandes

Acórdão do T.R. do Porto, proferido no âmbito do processo 1883/21.6T8MAI.P1, datado de 23-01-2023

Analisa o enquadramento do pagamento de subsídio de transporte mensal como contrapartida de o trabalhador adquirir viatura própria e em substituição de viatura atribuída pela entidade empregadora enquanto retribuição, nos termos do disposto no art. 258.º do Código do Trabalho.


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Relativamente ao conceito de retribuição,


Nos termos do disposto no n.º 1 do art. 258.º do Código do Trabalho (C.T.)., “Considera-se retribuição a prestação a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito em contrapartida do seu trabalho.”


Já nos termos do n.º 2 do referido artigo, é abrangido pela noção de retribuição e garantias a estas associadas, para além da retribuição base, outras prestações regulares e periódicas feitas, direta ou indiretamente, em dinheiro ou em espécie.


Por sua vez, o art. 260.º do C.T. concretiza as prestações que, não obstante a noção prevista no art. 258.º, se incluem ou excluem na noção de retribuição.


Como tal, não serão consideradas retribuição, e sem prejuízo das exceções à exclusão previas nos n.ºs 2 e 3 do art. 260.º do C.T., a) as importâncias recebidas a título de ajudas de custo, abonos de viagem, despesas de transporte, abonos de instalação e outras equivalentes, devidas ao trabalhador por deslocações, novas instalações ou despesas feitas em serviço do empregador, salvo quando, sendo tais deslocações ou despesas frequentes, essas importâncias, na parte que exceda os respetivos montantes normais, tenham sido previstas no contrato ou se devam considerar pelos usos como elemento integrante da retribuição do trabalhador; b) As gratificações ou prestações extraordinárias concedidas pelo empregador como recompensa ou prémio dos bons resultados obtidos pela empresa; c) As prestações decorrentes de factos relacionados com o desempenho ou mérito profissionais, bem como a assiduidade do trabalhador, cujo pagamento, nos períodos de referência respectivos, não esteja antecipadamente garantido; e d) A participação nos lucros da empresa, desde que ao trabalhador esteja assegurada pelo contrato uma retribuição certa, variável ou mista, adequada ao seu trabalho. – cfr. n.º 1 do art. 260.º do C.T..


Já quanto à irredutibilidade da retribuição

encontra-se prevista na al. d) do n.º 1 do art. 129.º do C.T., de acordo com o qual “É proibido ao empregador (…)Diminuir a retribuição, salvo nos casos previstos neste Código ou em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho”.


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No caso em apreço, ficou comprovado que desde o início do contrato de trabalho que a entidade empregadora atribuiu ao trabalhador um veículo ligeiro de passageiros, o qual poderia ser utilizado sem restrições (inc. feriados, férias, etc., fora do horário de trabalho), sendo que todas as despesas associadas ao uso e manutenção da viatura, bem como combustível, recaiam sobre a entidade empregadora.


Decorridos diversos anos, foi acordado entre ambas as partes que a entidade empregadora, em substituição da disponibilização de viatura nos termos acima mencionados, pagaria ao trabalhador um subsídio mensal no montante de €365,00, bem como pagaria o valor de €0,36 por km percorrido em serviço.


Volvido meio ano, e de forma unilateral, a entidade empregadora decidiu cessar o pagamento ao trabalhador do subsídio mensal no montante de €365,00.


Ora,


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No caso concreto, aplicava-se o Contrato coletivo entre a APEQ - Associação Portuguesa das Empresas Químicas e outras e a Federação de Sindicatos da Indústria, Energia e Transportes - COFESINT e outros - Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 43, 22/11/2015.


De acordo com o art. 46.º do referido CCT, “Só se considera retribuição aquilo a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito, regular e periodicamente, como contrapartida da prestação de trabalho”, sendo que “Não se consideram como integrando a retribuição designadamente as ajudas de custo, os abonos de viagem, as despesas de transporte (…)” – cfr. n.ºs 1 e 2.


A entidade empregadora defendia que, tendo em consideração a redação do referido art. 46.º do C.C.T. aplicável, bem como o facto de que tal quantia “Não foi acordada como contrapartida da actividade do trabalhador e apenas foi paga durante seis meses, não tendo carácter de regularidade e periodicidade”, não deveria integrar o conceito de retribuição.


Entendeu o Tribunal da Relação do Porto que, no caso em apreço, e em conformidade com as demais situações análogas em que a utilização da viatura não se circunscreve apenas ao período e para efeitos de exercício da atividade laboral, mas é permitida para além do horário de trabalho e funções laborais (inc. feriados, fins de semana, etc., - isto é, uso pessoal irrestrito e ilimitado), tem natureza retributivo, “ cujo valor pecuniário corresponde ao beneficio económico obtido pelo trabalhador por via do uso pessoal da mesma”.


Assim, no caso em apreço, considerando que o referido subsídio surge num contexto de substituição de um “benefício” ao qual é atribuído o carácter retributivo, deverá este ser considerado retribuição, estando-lhe associadas as garantias e proteções inerentes a tal.


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Sumário:

I - A noção de retribuição, abrange quer a retribuição base, isto é, “aquela que, nos termos do contrato ou instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, corresponde ao exercício da actividade desempenhada pelo trabalhador de acordo com o período normal de trabalho que tenha sido definido”, quer todas as demais prestações que tenham caráter regular e periódico, feitas directa ou indiretamente, em dinheiro ou espécie, quer seja por força da lei, quer por imposição de instrumento de regulamentação colectiva ou, ainda, decorrente de prática da empresa, também elas correspondendo ao direito do trabalhador como contrapartida do seu trabalho.

II - Provado que “Desde a data da sua admissão, em 6/01/2000, até 30 de junho de 2016, a Ré sempre proporcionou ao Autor um veículo ligeiro de passageiros para seu uso exclusivo, quer fosse na atividade profissional, quer fosse na sua vida privada, 24 horas por dia, feriados, folgas semanais, férias e qualquer outra ausência ao serviço, suportando a Ré, em exclusivo, todos os encargos da manutenção, combustível, via verde, seguros e impostos”, conclui-se que tal atribuição consubstancia uma prestação em espécie, regular e periódica que se traduz numa substancial vantagem económica, logo, com natureza retributiva, consequentemente integrando a sua retribuição e estando a entidade empregadora vinculada, com carácter de obrigatoriedade a assegurar-lhe essa prestação em contrapartida da prestação de trabalho.

III - A proposta efectuada pela Recorrente ao autor, para que este adquirisse a suas expensas viatura própria, comprometendo-se, em contrapartida, a pagar-lhe um subsídio de transporte mensal no valor de €365,00 e o valor de €0,36 por quilómetro percorrido em serviço, que este aceitou naqueles pressupostos, consubstancia uma alteração por acordo da estrutura remuneratória, que passou a vigorar em substituição da atribuição do veículo nos termos referidos em II.

IV - O pagamento do subsídio de transporte mensal no valor de €365,00 e do valor de €0,36 por quilómetro percorrido em serviço, tiveram em vista manter aquele direito do autor ao uso irrestrito e sem limites de veículo atribuído pela Ré, suportando esta todas as despesas inerentes a essa utilização, beneficiando, por isso, da garantia da irredutibilidade da retribuição.

V- Assim sendo, não podia a Ré unilateralmente ir contra o que propôs e acordou com o autor, deixando de proceder ao pagamento daquele subsídio, como o fez a partir de Janeiro de 2017, com essa conduta violando o disposto no art.º 129.º/1 al. d), do CT.





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