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Acórdão do S.T. Justiça, proferido no âmbito do processo 4357/19.1T8LRA.C1.S1, datado de 23-04-2024

  • Foto do escritor: Tiago Oliveira Fernandes
    Tiago Oliveira Fernandes
  • 3 de mai. de 2024
  • 8 min de leitura

Atualizado: 9 de mai. de 2024

Analisa, além do mais, a consequência da fixação de um prazo desrazoável no âmbito da interpelação admonitória num contrato de empreitada.

 

*


No âmbito de contratos de empreitada celebrados entre pessoas coletivas, pelos quais uma parte se obriga em relação à outra a a realizar certa obra mediante um preço, bem como a a fornecer os equipamentos necessários para o efeito, aplica-se o disposto nos arts. 1207.º e seguintes do Código Civil, bem como as normas gerais relativas aos contratos e às obrigações

 

Conforme explica o referido aresto,

“É entendimento pacífico que, no regime jurídico do cumprimento defeituoso no contrato de empreitada, o legislador facultou ao dono da obra uma série de direitos a exercer sequencialmente. Assim, em primeiro lugar, o dono da obra goza do direito de exigir a eliminação dos defeitos e, caso tal eliminação não seja viável, tem o direito a exigir nova construção, salvo, em ambos os casos, se as despesas com a eliminação dos defeitos ou a nova construção forem desproporcionadas em relação ao proveito. Apenas no caso de não serem eliminados os defeitos ou construída de novo a obra, tem o dono da obra o direito de exigir a redução do preço ou a resolução do contrato, mas, neste último caso, somente se os defeitos tornarem a obra inadequada ao fim a que se destina.”

 

Em conformidade, prevê o n.º 1 do art. 1221.º e o n.º 1 do art. 1222.º, respetivamente, que “Se os defeitos puderem ser suprimidos, o dono da obra tem o direito de exigir do empreiteiro a sua eliminação; se não puderem ser eliminados, o dono pode exigir nova construção” e que “Não sendo eliminados os defeitos ou construída de novo a obra, o dono pode exigir a redução do preço ou a resolução do contrato, se os defeitos tornarem a obra inadequada ao fim a que se destina”.

 

Já em relação à resolução do contrato, este depende do seu incumprimento definitivo

 

Conforme explica de forma cristalina o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido no âmbito do processo 831/19.8T8PVZ.P1, “Há incumprimento definitivo numa de três situações: quando durante a mora o credor concede ao devedor um prazo suplementar final razoável para cumprir (interpelação admonitória) e este, mesmo assim, não cumpre (art. 808.º, n.º 1, 2.ª parte); quando durante a mora o credor perde o interesse na prestação (art. 808.º, n.º 1,1.ª parte), o que ocorre quando a mesma deixa objectivamente de ter utilidade para si (art. 808.º, n.º 2), apreciado objectivamente à luz dos princípios da boa fé, segundo critérios de razoabilidade; quando o próprio devedor declara, em termos sérios e definitivos, que não irá cumprir (declaração de não cumprimento) e o credor, em consequência disso, considera a obrigação definitivamente incumprida”.

 

O n.º 1 do art. 808.º do C.C. prevê, na 2.ª parte, que se a prestação “não for realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor, considera-se para todos os efeitos não cumprida a obrigação”, correspondendo esta à denominada interpelação admonitória.

 

Como consabido, a interpelação admonitória deverá conter os seguintes elementos:

- a intimação para o cumprimento;

- a fixação de um termo perentório para o seu cumprimento;

- a cominação expressa e inequívoca de que a obrigação se terá por definitivamente incumprida se não se verificar o cumprimento dentro do prazo fixado para o efeito.

 

*

 

No caso em apreço foi dado como provado, além do mais,

1. Após negociação entre as partes, em finais de novembro/2018-inícios de dezembro/2018, foi entre ambas acordado que a Ré forneceria e procederia à montagem, pelo preço global de €200.000, na fábrica da Autora sita em Moçambique, de uma linha de extrusão completa (…) e corrugador e moldes (…).

2. No dia 02.07.2019 os técnicos da ré tal como inicialmente programado regressaram a Portugal.

3. A. A Ré não logrou colocar em funcionamento o equipamento descrito no ponto 3. dos factos provados de modo a produzir tubo corrugado sem defeitos (Facto aditado pelo Tribunal da Relação).

4. Durante o período temporal em que a Ré procedeu à montagem das máquinas procedeu-se à mudança do quadro elétrico e do transformador e ao corte de corrente elétrica, ocorreu também uma avaria e reparação de uma resistência e não se encontrava presente alguém com experiência no fabrico de tubo corrugado (Facto aditado pelo Tribunal da Relação).

5. Aquando do início dos trabalhos de montagem, já a Autora havia pago, junto da Ré, €150.000 e a Ré esteve cerca de 15 dias nas instalações da Autora a efetuar a montagem do equipamento.

6. A Ré não mais voltou às instalações da Autora.

7. Por e-mail remetido pela Autora à Ré a 22 de julho de 2019, aquela solicitou a esta que informasse quando regressaria a ..., à fábrica da Autora, tanto mais que começava «já a ter uma data de encomendas pendentes e sem previsão de fornecimento, uma vez que estamos parados e sem produzir.»

8. Tendo a Ré, no mesmo dia, respondido que se encontrava a aguardar pelos vistos a emitir pelo Consulado, assim como pelas resistências para as cabeças da extrusora.

9. Por e-mail datado de 23/07/2019, a Autora informou ainda a Ré que (…) [faltava material]

10. A Ré não respondeu a esta missiva, razão pela qual a Autora, por carta registada com A. R., enviada à Ré a 30/07/2019, comunicou-lhe [além do mais] o seguinte:

(…)

Mais informamos que, atento o v/ atraso e incumprimento do contrato, a n/ empresa já não se responsabilizará pelo pagamento das despesas decorrentes do envio desse material, nem do custo das deslocações dos v/ funcionários.

Decorridos 15 dias sem que as questões acima descritas se encontrem definitivamente solucionadas, passaremos a cobrar a V. Exas. uma indemnização pelos prejuízos causados pela v/ supra descrita conduta, no valor de € 2.000/dia e iremos agir judicialmente contra V. Exas.

11. A Ré rececionou tal missiva a 31/07/2019.

12. Por e-mail enviado à Ré a 03/09/2019, a Autora comunicou a esta o seguinte:

Pelo exposto somos a informar V. Exas. que, acaso até ao próximo dia 15 de Setembro de 2019, V. Exas.:

- não concluam a montagem do equipamento em questão por forma a que o mesmo fique a funcionar correcta e plenamente,

- não procedam à entrega do material em falta e acima melhor elencado, deixaremos de ter interesse no negócio celebrado com V. Exas., razão pela qual fica, a partir dessa data, o mesmo resolvido com justa causa, devendo V. Exas. proceder à devolução do preço por nós já integralmente pago (€150.000), a que sempre acrescem €62.000 a título de indemnização pelo atraso na montagem (€ 2.000 x 31 dias).”.

13. Mais uma vez, a Ré rececionou aquele e-mail.

14. A Ré não respondeu por escrito às comunicações desta identificadas nos Pontos 24. e 26. dos Factos Provados, ignorando-se se o fez verbalmente (Facto modificado pelo Tribunal da Relação)

15. A Autora estava dependente da montagem do equipamento identificado em 5º., para iniciar a produção deste tipo de tubo, não dispondo de outro equipamento que lho permita.

 

*

 

Ora,

 

Na sequência do já mencionado, e inexistindo mora do credor – por inexistir prazo fixado para efetuar a prestação – temos por válida a intimação para o cumprimento efetuada pela autora.

 

No caso em apreço, cumpre então analisar a razoabilidade dos prazos concedidos pela autora à ré para completar a sua prestação contratual.

 

Como explica o aresto em apreço,

“A desrazoabilidade do prazo, em princípio, determina a ineficácia da declaração de interpelação do devedor e, consequentemente, a ineficácia da declaração de resolução do contrato bilateral sinalagmático.

Todavia, a doutrina tem salientado que esta regra doutrinal e jurisprudencial produz consequências injustas, “ao protegerem desproporcionada e excessivamente os interesses do devedor e ao desprotegerem desproporcionada ou excessivamente os interesses do credor” (cfr. Nuno Pinto de Oliveira, Princípios de Direito dos Contratos, ob. cit., p. 818). O credor estaria perante uma situação de injustificada incerteza ou insegurança, enquanto o devedor ficaria numa situação de injustificada certeza (ibidem, p. 818). Para fazer face a estes resultados injustos, propõe o Autor que a fixação de um prazo adicional ou suplementar desadequado não seja eficaz nem determine a ineficácia da declaração admonitória, permitindo ainda ao devedor manifestar vontade de cumprir desde que o fizesse num prazo razoável (ibidem, p. 819). Tal significa que se considere que a fixação de um prazo suplementar desrazoável é eficaz, fazendo com que comece a correr um novo prazo adequado ou razoável (ibidem, p. 819).”


Quanto a esta matéria, decidiu o Tribunal da Relação que “A circunstância de a declaração admonitória com prazo desrazoável ser eficaz, dentro de um prazo adequado às circunstâncias, que se considera ser, no caso de um contrato à distância, de, pelo menos, dois meses (60 dias), permite uma re-análise do caso”.


Como tal, considerou a declaração admonitória eficaz, como se tivesse fixado um prazo de 60 dias para o efeito, por ser razoável no caso em apreço.

 

Nessa sequência, entendeu o referido aresto que “A ausência de resposta da ré, que tem de entender-se como prolongada até à data da interposição da ação, 18-12-2019, consiste, em si mesmo, na violação de um dever de colaboração, que a ré tinha de observar mesmo que tivesse uma perspetiva distinta da autora relativamente ao cumprimento do contrato e ao pagamento dos transportes”, e, “Tendo em conta a indiferença da ré pelos interesses da autora, revelada no silêncio após as mensagens desta, silêncio que temos de considerar prolongado até à data da interposição da ação, ultrapassando vastamente o que seria um prazo razoável de cumprimento, decidimos que o direito de resolução da autora considera-se exercido licitamente na data da interposição da ação.”

  

 

*

 

Sumário:

“I - Tendo a Autora contratado com a Ré o fornecimento de uma linha de produção de tubo corrugado, incluindo a montagem da respetiva maquinaria em Moçambique, a prestação da Ré cumprir-se-ia quando tivesse colocado a linha de produção a produzir tubo corrugado (artigo 762.º, n.º 1, do Código Civil).

II – Tendo a ré abandonado as instalações da autora, sem que a linha de montagem estivesse apta a produzir o tubo corrugado, verifica-se uma situação de mora da devedora, que, como ilícito obrigacional, se presume culposo, competindo à ré produzir prova com vista a demonstrar que a falta de cumprimento da obrigação não procede de culpa sua.

III –A mora converte-se em incumprimento definitivo quando, durante a mora, o credor concede ao devedor um prazo suplementar final razoável para cumprir (interpelação admonitória) e este, mesmo assim, não cumpre (artigo 808.º, n.º 1, 2.ª parte).

IV – O conceito de prazo razoável tem uma natureza indeterminada, que carece de preenchimento valorativo à luz das circunstâncias do caso, sendo razoável o prazo suplementar suficiente para que o devedor possa completar uma prestação já iniciada.

V – Sendo de 12 dias o prazo fixado pela autora na declaração admonitória, enviada e rececionada em 3 de setembro, deve entender-se que não é razoável ou adequado, estando em causa o cumprimento de um contrato nas instalações da autora, em Moçambique, bem como necessidades legais e sanitárias para a viagem dos funcionários da ré e transporte marítimo de materiais.

VI - A regra doutrinal e jurisprudencial segundo a qual a desrazoabilidade do prazo determina a ineficácia da declaração de interpelação do devedor produz consequências injustas, “ao protegerem desproporcionada e excessivamente os interesses do devedor e ao desprotegerem desproporcionada ou excessivamente os interesses do credor” (cfr. Nuno Pinto de Oliveira, Princípios de Direito dos Contratos, ob. cit., p. 818).

VII – Assim, considera-se que a fixação de um prazo suplementar desrazoável não torna ineficaz a interpelação admonitória, fazendo com que comece a correr um novo prazo adequado ou razoável, podendo o credor que fixou um prazo desrazoável exercer o direito subjetivo à indemnização substitutiva da prestação, nos termos do n.º 1 do artigo 801.º do Código Civil, ou o direito potestativo de resolução do contrato, desde que o faça depois de decorrido um prazo razoável.

VIII - A liquidação do contrato como efeito da sua extinção deve ter em conta o princípio da justiça comutativa, no sentido de se manter, relativamente às obrigações de restituição, a mesma correspetividade que as partes procuraram entre as prestações realizadas em execução do negócio inválido ou resolvido.”       




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