Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no âmbito do processo 3944/24.0T8CSC.L1 - 4, datado de 05-07-20256-06-2025
- Tiago Oliveira Fernandes
- há 11 minutos
- 5 min de leitura
Analisa a natureza da resposta à nota de culpa e consequência de desconsideração da mesma por parte da Entidade Empregadora na decisão final.
*
De acordo com o n.º 1 do art. 382.º do Código do Trabalho (CT) o despedimento por facto imputável ao trabalhador é ainda ilícito se tiverem decorrido os prazos estabelecidos nos n.os 1 ou 2 do artigo 329.º, ou se o respetivo procedimento for inválido.
Já de acordo com a al. c) do n.º 2 do referido preceito legal, o procedimento será inválido se, além do mais, não tiver sido respeitado o direito do trabalhador a consultar o processo ou a responder à nota de culpa ou, ainda, o prazo para resposta à nota de culpa.
Relativamente ao direito de resposta à nota de culpa, determina o n.º 1 do art. 355.º do CT que “O trabalhador dispõe de 10 dias úteis para consultar o processo e responder à nota de culpa, deduzindo por escrito os elementos que considera relevantes para esclarecer os factos e a sua participação nos mesmos, podendo juntar documentos e solicitar as diligências probatórias que se mostrem pertinentes para o esclarecimento da verdade”.
Caso o trabalhador apresente resposta à nota de culpa, determina o n.º 1 do art. 356.º que o empregador, por si ou através de instrutor que tenha nomeado, deve realizar as diligências probatórias requeridas na resposta à nota de culpa, a menos que as considere patentemente dilatórias ou impertinentes, devendo neste caso alegá-lo fundamentadamente por escrito.
Ora, no caso em apreço,
Determinado trabalhador intentou procedimento cautelar de suspensão de despedimento, alegando, além do mais, que o procedimento disciplinar padece de vícios graves, tendo sido violado o seu direito de defesa, por não ter sido considerada a resposta à culpa de culpa, afirmando-se no relatório final que não houve apresentação de defesa quando o Requerente, através do seu mandatário, enviou a defesa por carta registada com aviso de receção, para a morada da sede da Requerida, dentro do prazo de 10 dias úteis, e por não terem sido ouvidas as testemunhas que indicou, tendo a instrução sido conduzida de forma parcial e sem cuidar de apurar a verdade dos factos.
No final foi proferida sentença a julgar procedente o procedimento cautelar, deferindo a providência cautelar requerida, sentença esta da qual a entidade empregadora interpôs recurso, por com ela não se conformar.
A questão essencial em análise prende-se com a resposta à nota de culpa a sua natureza de declaração receptícia e respetivas consequências inerentes a tal facto.
Citando a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça [processo n.º 4679/19.1T8CBR-C.C1.S1, de 16/12/2021]
“I. A declaração negocial com um destinatário (receptícia ou recepienda) ganha eficácia(-vinculatividade) se chegar à sua esfera de disponibilidade material ou de acção ou se chegar ao seu conhecimento, verificando-se logo na primeira circunstância que ocorrer com prioridade cronológica, uma vez que, chegada ao “local” de poder do declaratário-destinatário (caixa do correio postal, caixa de um dispositivo automático de recepção de chamadas telefónicas ou fax, caixa digital do correio electrónico) ou entregue a pessoa com competência para a recepção (representantes, trabalhadores, auxiliares, etc.), é irrelevante que não a venha a conhecer efectivamente, assim como é irrelevante que não chegue ao seu poder se a conheceu efectivamente em momento anterior (art. 224º, 1, 1ª parte, CCiv.).II. A chegada à esfera de disponibilidade material ou de acção integra a cognoscibilidade (possibilidade ou susceptibilidade de conhecimento) da declaração pelo destinatário, independentemente do conhecimento efectivo, esfera essa aferida de acordo com as circunstâncias normais que envolvem o destinatário e correndo contra si os riscos que, de forma previsível e antecipada, impossibilitam (sibi imputet) que a cognoscibilidade se converta em conhecimento efectivo, desde que essa esfera esteja sob o controlo do destinatário.”
No caso em apreço a que diz respeito o Acórdão em análise, o trabalhador enviou a resposta para a sede da entidade empregadora, ao invés de enviar diretamente para o instrutor do processo, no último dia do prazo previsto no n.º 1 do art. 355.º do CT, através de carta registada com a/r, tendo apenas chegado à esfera de conhecimento do instrutor cerca de 13 dias depois.
Conforme esclareceram os Juízes Desembargadores, sendo a resposta à nota de culpa enviada para a entidade empregadora, deveria esta ter encaminhado a resposta à nota de culpa para o instrutor do processo, conforme se lhe impunha desde logo o princípio da boa fé.
Relevando que “Têm assim diferente natureza a nota de culpa e a decisão disciplinar, por um lado, e a resposta à nota de culpa, por outro, embora integrando todos esses actos o procedimento disciplinar. E isso justifica que as regras que subjazem à sua produção e comunicação sejam diferentes”.
E, ao desconsiderar a existência de resposta à nota de culpa, “a empregadora tolheu ao trabalhador a possibilidade de exercer o seu direito de defesa, evitando que o instrutor do processo avaliasse os factos trazidos por este, e a fundamentação por si alegada, o que tudo deve ser ponderado nessa sede”.
Aliás, considerando que a lei não prevê meio específico para apresentar a resposta à nota de culpa, alertam os Juizões Desembargadores par ao facto de que entendimento diversos determinaria uma restrição parcial do prazo concedido ao trabalhador para contestar a acusação do empregador, com prejuízo evidente para o exercício do direito de audição, sendo “do todo inadmissível que, ponderado o justo equilíbrio entre os direitos e interesses das partes, em processo disciplinar, se entendesse que a entidade patronal dispunha integralmente do prazo que a lei lhe confere para preparar e tomar a decisão sobre o despedimento ou outra sanção disciplinar a aplicar ao arguido e este tivesse o seu prazo para responder à Nota de Culpa amputado do tempo necessário para fazer chegar o seu teor ao conhecimento da arguente.”.
Desta forma, tendo a entidade empregadora desconsiderado a resposta à nota de culpa apresentada pelo trabalhador, pelo facto de ter rececionado decorrido o 10.º dia útil, conclui-se pela invalidade do procedimento disciplinar e, bem assim, pela “probabilidade séria da ilicitude do despedimento”, julgando assim o T.R. de Lisboa totalmente improcedente o recurso de apelação, mantendo a decisão de suspender o despedimento, e de a entidade empregadora manter o trabalhador no seu posto de trabalho sem perda de antiguidade, nem categoria.
*
Sumário:
“I - – A resposta à nota de culpa não constitui uma declaração receptícia.
II - Considerar que tem aplicação o disposto no artigo 224º nº 1 do C.Civil à apresentação da resposta à nota de culpa é restringir parcialmente o prazo concedido ao trabalhador para contestar a acusação do empregador, com prejuízo evidente para o exercício do direito de audição.
III – É tempestiva a resposta à nota de culpa remetida por via postal no último dia do prazo, sendo irrelevante a data em que chega ao conhecimento do Réu.
IV – Na falta de outra indicação, o trabalhador tanto pode enviar tal resposta à nota de culpa para a empregadora como para o instrutor do processo.
V - Ao desconsiderar a existência de resposta à nota de culpa, a empregadora viola o direito de resposta do trabalhar à nota de culpa, o que determina a invalidade do procedimento disciplinar, e determina a suspensão do despedimento.”.
Comments