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  • Foto do escritorTiago Oliveira Fernandes

Acórdão do T.R. do Porto, proferido no âmbito do processo 6249/21.5T8VNG.P1, datado de 18-09-2023

Analisa a consequência da inobservância do dever de registo (e apresentação em juízo) de trabalho suplementar por parte da entidade empregadora, nomeadamente no âmbito do ónus da prova.


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Em relação ao ónus da prova, prevê o art. 342.º do Código Civil as seguintes regras gerais:

1. Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado.

2. A prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita.

3. Em caso de dúvida, os factos devem ser considerados como constitutivos do direito.”


Em relação ao ónus da prova em casos específicos, prevê o art. 343.º do Código Civil as seguintes especificidades:

1. Nas acções de simples apreciação ou declaração negativa, compete ao réu a prova dos factos constitutivos do direito que se arroga.

2. Nas acções que devam ser propostas dentro de certo prazo a contar da data em que o autor teve conhecimento de determinado facto, cabe ao réu a prova de o prazo ter já decorrido, salvo se outra for a solução especialmente consignada na lei.

3. Se o direito invocado pelo autor estiver sujeito a condição suspensiva ou a termo inicial, cabe-lhe a prova de que a condição se verificou ou o termo se venceu; se o direito estiver sujeito a condição resolutiva ou a termo final, cabe ao réu provar a verificação da condição ou o vencimento do prazo.”


Já em relação à inversão do ónus da prova, prevê o art. 344.º do Código Civil que

“1. As regras dos artigos anteriores invertem-se, quando haja presunção legal, dispensa ou liberação do ónus da prova, ou convenção válida nesse sentido, e, de um modo geral, sempre que a lei o determine.

2. Há também inversão do ónus da prova, quando a parte contrária tiver culposamente tornado impossível a prova ao onerado, sem prejuízo das sanções que a lei de processo mande especialmente aplicar à desobediência ou às falsas declarações.”


Decorrência do supra transcrito n.º 2 do art. 344.º, determina o art. 417.º do C.P.C., sob epígrafe “Dever de cooperação para a descoberta da verdade” que

1- Todas as pessoas, sejam ou não partes na causa, têm o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade, respondendo ao que lhes for perguntado, submetendo-se às inspeções necessárias, facultando o que for requisitado e praticando os atos que forem determinados.

2 - Aqueles que recusem a colaboração devida são condenados em multa, sem prejuízo dos meios coercitivos que forem possíveis; se o recusante for parte, o tribunal aprecia livremente o valor da recusa para efeitos probatórios, sem prejuízo da inversão do ónus da prova decorrente do preceituado no n.º 2 do artigo 344.º do Código Civil.”

(negrito nosso).


Com referência ao caso em apreço no respetivo Acórdão, em relação ao trabalho suplementar, é imposto à entidade empregadora, além do mais,

a) Ter um registo de trabalho suplementar em que, antes do início da prestação de trabalho suplementar e logo após o seu termo, são anotadas as horas em que cada uma das situações ocorre (n.º 1 do art. 231.º do Código do Trabalho); bem como

b) manter durante cinco anos relação nominal dos trabalhadores que efectuaram trabalho suplementar, com discriminação do número de horas prestadas ao abrigo dos n.os 1 e 2 do artigo 228.º e indicação dos dias de gozo dos correspondentes descansos compensatórios.


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No caos em apreço,


o trabalhador alegou na sua petição inicial os factos constitutivos do seu direito relativamente aos créditos que reclama referentes a trabalho suplementar, trabalho prestado em dias feriados, trabalho noturno e por descanso compensatório (não concedido), juntou à petição documentos designados de escalas e registos onde constam várias indicações manuscritas do Autor bem como cópias de recibos de vencimento.


Ou seja, o trabalhador invocou o seu “horário de trabalho”: os dias, as horas de início e do termo do período normal de trabalho diário, os respetivos intervalos, as horas de trabalho prestado fora dos horários de trabalho estabelecidos, etc.


Por outro lado, o trabalhador requereu que a entidade empregadora fosse notificada para juntar, além do mais, os registos diários dos tempos de trabalho; os “registos do trabalho suplementar” e o “mapa do horário de trabalho”


A entidade empregadora não juntou os aludidos documentos, alegando para o efeito que a empresa responsável pelo seu armazenamento apenas os guardava por 5 meses.


Assim, foi decidido pelo referido Acórdão, além do mais, que

a)

“Sendo a R. uma empresa que se dedica à atividade de segurança privada, tendo inúmeros trabalhadores nos seus quadros, não há justificação para não possuir os registos dos tempos de trabalho efetivamente cumpridos pelo A. naquele período temporal, pois só assim, no caso em presença, se poderá aquilatar da bondade dos pagamentos que foi efetuando ao trabalhador. Sendo certo que a este não é razoavelmente de exigir a comprovação, por recurso à prova testemunhal – já que em termos documentais o A. juntou aquilo que possuía, não sendo a mais obrigado –, dos concretos dias e horários efetivamente praticados em cerca de um ano e meio de serviço.

Face ao exposto, o tribunal considera, nos termos previstos no art.º 344.º n.º 2 do C. Civil, que a R. tornou culposamente impossível a prova ao onerado com a mesma, o que justifica a inversão do respetivo ónus. Sendo assim, e uma vez que a aqui parte processual passiva não comprovou que o A. não realizou, no período compreendido entre setembro de 2018 e fevereiro de 2020, tudo inclusive, o trabalho nos moldes por si alegados, este deve ser dado, como foi, por provado.”

b)

Mais decidiu que, não obstante o n.º 5 do art. 231.º do C.T. prever que “A violação do disposto nos números anteriores confere ao trabalhador, por cada dia em que tenha prestado atividade fora do horário de trabalho, o direito a retribuição correspondente a duas horas de trabalho suplementar”, a tal não obsta a aplicação das demais cominações legalmente previstas, mormente a inversão do ónus da prova.

c)

Bem como decidiu que, tendo o trabalhador requerido a inversão do ónus da prova na decorrência da alegada impossibilidade de juntar os respetivos documentos, e a entidade empregadora respondido cabalmente, não tinha o Tribunal de notificar especificamente de tal cominação legal para inverter o ónus da prova.



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Sumário:

I-- «O empregador deve ter um registo de trabalho suplementar em que, antes do início da prestação de trabalho suplementar e logo após o seu termo, são anotadas as horas em que cada uma das situações ocorre.», (artigo 231º, nº 1 do CT);

“II- A inversão do ónus da prova, no termos do art. 344º nº 2, do Código Civil e art. 417°, n° 2 do Código de Processo Civil, apresenta-se como uma sanção civil à violação do princípio da cooperação das partes para a descoberta da verdade material, consagrado no nº 1 do citado art. 417°, quando essa falta de colaboração vai ao ponto de tornar impossível ou particularmente difícil a produção de prova ao sujeito processual onerado com o ónus da prova nos termos gerais e seja culposa, no sentido de que a parte recusante podia e devia agir de outro modo.

III- Os princípios da boa fé e da cooperação determinam que as partes processuais adoptem uma conduta colaborante com o Tribunal no sentido da descoberta da verdade.

IV- O princípio do contraditório não pode ser interpretado como uma garantia de defesa ilimitada, mas como defesa pautada pelos princípios da lealdade e da colaboração na participação da decisão judicial.

V – À impossibilidade da prova, por actuação culposa da parte não colaborante para com o onerado, deve ser equiparado, em termos de sanção do art. 344º, nº 2, do Código Civil, um comportamento omissivo total ou parcialmente inviabilizador da prova, desde que, dessa falta de colaboração resulte, comprovadamente, fragilidade probatória causada pelo recusante.”

VI- Existe fundamento para concluir que a Entidade empregadora recusou a colaboração devida para o apuramento da verdade (artigo 417º do CPC), se por sua responsabilidade não juntou documentos – registos dos tempos de trabalho - que nos termos da lei devia possuir, existindo fundamento para a inversão das regras do ónus da prova (artigo 344º do CC), tendo sido notificada para juntar tais registos justificando a não junção de sua parte com o facto de a empresa responsável com o respetivo software apenas os guardar pelo período de cinco meses.

VII- Para efeitos do disposto no artigo 417º, nº2 do Código de Processo Civil, importa que as partes sejam advertidas previamente da eventualidade da inversão do ónus da prova, de forma a poderem gerir o esforço probatório que lhe é exigível e a evitar uma decisão-surpresa.

VIII – Tendo a Ré tomado posição expressa sobre a inversão do ónus da prova, requerida pelo Autor - concluindo que deve considerar-se que a Ré cumpriu com o que lhe foi determinado, nada havendo mais que juntar, não ocorrendo qualquer inversão do ónus da prova por falta dos requisitos exigidos pelo nº 2 do artigo 342º do Código Civil-, para efeitos de aplicação do disposto no nº2 do artigo 344º do Código Civil, não é exigível que a Ré seja formalmente advertida pelo Tribunal no sentido da possibilidade de inversão do ónus da prova.




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