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  • Foto do escritorTiago Oliveira Fernandes

Acórdão do T.R. de Lisboa, proferido no âmbito do processo 343/21.0T8RGR-A.L1-7,datado de 30-05-2023

Analisa a validade de testamento celebrado no Canadá em violação da forma solene na sua feitura ou aprovação imposta pelo art. 2223.º do C.C., no caso de sucessão aberta a partir de 17/08/2015.


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De acordo com o disposto no art. 2031.º e n.º 2 do art. 2050.º, ambos do Código Civil, respetivamente, “A sucessão abre-se no momento da morte do seu autor e no lugar do último domicílio dele” e “Os efeitos da aceitação retrotraem-se ao momento da abertura da sucessão”.


Em relação à lei reguladora das sucessões, determina o art. 62.º do C.C. quanto à lei competente que “A sucessão por morte é regulada pela lei pessoal do autor da sucessão ao tempo do falecimento deste, competindo-lhe também definir os poderes do administrador da herança e do executor testamentário”.


Já quanto à forma das “disposições por morte” determina o art. 65.º do C.C. que “As disposições por morte, bem como a sua revogação ou modificação, serão válidas, quanto à forma, se corresponderem às prescrições da lei do lugar onde o acto for celebrado, ou às da lei pessoal do autor da herança, quer no momento da declaração, quer no momento da morte, ou ainda às prescrições da lei para que remeta a norma de conflitos da lei local”, sendo que, “Se, porém, a lei pessoal do autor da herança no momento da declaração exigir, sob pena de nulidade ou ineficácia, a observância de determinada forma, ainda que o acto seja praticado no estrangeiro, será a exigência respeitada” (n.ºs 1 e 2, respetivamente).


Em conformidade, no que diz respeito ao testamento propriamente dito, feito por português no estrangeiro, preceitua o art. 2223.º do C.C. que “O testamento feito por cidadão português em país estrangeiro com observância da lei estrangeira competente só produz efeitos em Portugal se tiver sido observada uma forma solene na sua feitura ou aprovação.”


Ora,


No que concerne à legislação europeia aplicável em matéria de sucessões, releva neste âmbito o Regulamento (UE) nº 650/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de julho de 2012, relativo à competência, à lei aplicável, ao reconhecimento e execução das decisões, e à aceitação e execução dos atos autênticos em matéria de sucessões e à criação de um Certificado Sucessório Europeu, o que é aplicável às sucessões abertas a partir de 17/08/2015, de acordo com o n.º 1 do seu art. 83.º.


No que concerte à “lei aplicável ao conjunto da sucessão”, determina o n.º 1 do art. 21.º do referido Regulamento que, “Salvo disposição em contrário do presente regulamento, a lei aplicável ao conjunto da sucessão é a lei do Estado onde o falecido tinha residência habitual no momento do óbito”.


Por sua vez, prevê o n.º 2 do referido artigo que “Caso, a título excecionar, resulte claramente do conjunto das circunstâncias que, no momento do óbito, o falecido tinha uma relação manifestamente mais estreita com um Estado diferente do Estado cuja lei seria aplicável nos termos do nº 1, é aplicável à sucessão a lei desse outro Estado.”


No caso em apreço, entendeu o Tribunal existirem elementos suficientes para afirmar que o de cujus tinha a sua residência habitual em Portugal.


Ainda no âmbito do referido Regulamento, de frisar que o seu art. 20.º [É aplicável a lei designada pelo presente regulamento, mesmo que não seja a lei de um Estado-Membro”], conjugado com o primado do Direito Comunitário, impõe a prevalência das normas de conflito do Regulamento sobre o disposto nos arts. 62.º a 65.º do C.C.


Já em face do funcionamento das conexões, temos que as normas de conflito tanto podem determinar a aplicação do direito material de um Estado-membro, tal como de um Estado terceiro no qual não vigore o respetivo Regulamento.


Desta forma, concluiu o Tribunal ad quem que, em face da redação do art. 27.º do referido Regulamento, que determina que “Uma disposição por morte feita por escrito é válida do ponto de vista formal se a sua forma respeitar a lei: a) Do Estado onde a disposição foi feita ou o pacto sucessório celebrado;” e que “Para efeitos do presente artigo, considera-se que diz respeito a questões de forma qualquer disposição legal que limite as formas autorizadas das disposições por morte referentes à idade, nacionalidade ou outras características pessoais do testador ou das pessoas cuja sucessão é objeto de um pacto sucessório. É aplicável a mesma regra às características que devem possuir quaisquer testemunhas exigidas para a validade de uma disposição por morte”, o supra transcrito art. 2223.º do C.C. foi tacitamente revogado, sendo que “qualquer testamento feito de forma escrita por português em país estrangeiro será formalmente válido se forem observadas as exigências formais determinadas por qualquer uma das leis indicadas supra no artº. 27º do Regulamento não se lhe aplicando as demais exigências formais previstas na lei portuguesa, nomeadamente a intervenção de autoridade pública na sua feitura ou aprovação”


Em consequência, decidiu o Tribunal ad quem que o Testamento elaborado pelo inventariado no Canadá, em 16/05/2018, em detrimento das formalidades exigidas pelo art. 2223.º do C.C., mas em conformidade com a lei aplicável no Canadá, deve ser reconhecido no âmbito do inventário.



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Sumário:

I. O Regulamento (UE) nº 650/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de julho de 2012, prevalece sobre as normas dos Artigos 62º a 65º do Código Civil e revogou tacitamente o Artigo 2223º do Código Civil.

II. Um testamento manuscrito no Canadá, em 16.5.2018, respeitando a lei local, é válido e deve ser reconhecido no subsequente inventário em Portugal, tendo o óbito ocorrido em 1.7.2018 e havendo que considerar que o inventariado tem residência habitual em Portugal.




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