Acórdão do T.R. de Coimbra, proferido no âmbito do processo 5725/24.2T8VIS.C1, datado de 16-09-2025
- Tiago Oliveira Fernandes
- há 5 dias
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Analisa o meio processual idóneo a executar sentença proferida pelos Tribunais Suíços, ao abrigo da Convenção Lugano II, no caso de indemnização/pensão de natureza alimentícia fixada no âmbito de pedido acessório de ação sobre o estado das pessoas.
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A Convenção Lugano II respeita regras da União Europeia relativas à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial entre os países da União Europeia, o que significa que as regras são semelhantes na União Europeia e na Suíça, na Noruega e na Islândia, “facilitando o reconhecimento mútuo e a execução de decisões proferidas pelos tribunais nacionais dos países em causa.”
Quanto à exclusão da sua aplicação quanto a determinadas matérias, determina o art. 1.º n.º 2 da referida Convenção que tal Convenção não se aplica a matérias fiscais, aduaneiras e administrativas; o estado e a capacidade das pessoas singulares; os regimes matrimoniais; os testamentos e as sucessões; as falências ou as concordatas; e a segurança social ou a arbitragem.
Contudo, são excluídos do seu âmbito de aplicação, conforme prevê no seu n.º 2 do art. 1.º: as matérias fiscais, aduaneiras e administrativas; o estado e a capacidade das pessoas singulares; os regimes matrimoniais; os testamentos e as sucessões; as falências ou as concordatas; e a segurança social ou a arbitragem.
No caso em apreço, um ex-casal divorciou-se na Suíça, tendo uma das partes sido condenado a pagar à outra o montante de CHF. 40.700,00, a título de indemnização, CHF. 600,00 a título de reembolso de despesas, e ainda, a quantia de CHF. 2.126,00 a título de indemnização de despesas, o que perfaz o montante global de € 46.717,60, sendo esta relacionada com o “pressuposto de que esta não pode ser penalizada por ter trabalhado sem ter podido constituir qualquer património de pensão profissional, na pendência do casamento.”
O Tribunal a quo entendeu que estava perante uma exceção dilatória inominada de erro na forma do processo e, em consequência, assumindo que o procedimento para completar uma sentença de divórcio é regido pelas disposições do direito matrimonial. absolvendo o requerido da instância.
Por sua vez, entendeu o Tribunal da Relação de Coimbra que
“O procedimento de complementação (ou suplemento, conforme o art. 64.° da LPIL) da sentença de divórcio visa colmatar, por meio de um procedimento subsequente, as lacunas da sentença de divórcio causadas por lapso, erro de direito ou desconhecimento de facto por parte do juiz (ATF 108 II 381, consid. 4; acórdão 5A_549/2011 de 31 de maio de 2012, consid. 2.2.2). Este procedimento subsequente está disponível não apenas quando a lacuna diz respeito a um ponto que o tribunal deveria ter decidido oficiosamente, sem levar em conta as alegações das partes, mas também quando os pedidos que dependem da autonomia das partes não foram decididos nem na própria decisão nem num acordo (BOHNET, Actions civiles, t. I, § 17, n.º 1 e ss.; acórdão 5A 227/2015 de 16 de novembro de 2015, consid. 2.2.2).
Em matéria de direito internacional (cf. art. 64.° da LDIP), o processo de divórcio completo pode ser utilizado, nomeadamente, para dividir o património da pensão profissional de um dos cônjuges que exerceu atividade profissional na Suíça (ATF 134 III 661, n.° 3.2; ATF 131 III 289, n.º 2.8; acórdão 5A_835/2010 de 1 de junho de 2010, n.° 2.4.2; BOHNET, op. cit., § 17, n.° 5).
Por seu turno, o nº 1, artº 124º-E, do Código Civil suíço, inserido no capítulo dedicado aos requisitos do divórcio e, neste, na parte relativa à divisão equitativa das pensões, dispõe que[1]:
1. Se a divisão equitativa dos bens do fundo de pensão não for possível, o cônjuge responsável deverá ao cônjuge titular uma indemnização adequada, na forma de pagamento único ou como pensão.
Assim, verificamos que a lei suíça prevê que as pensões não são benefício exclusivo do seu titular nominal, uma vez que, sendo este casado, incorporam um bem a partilhar no momento do divórcio, nos moldes fixados no seu Código Civil; sendo tal partilha - que se pode traduzir no pagamento de uma indemnização ou na fixação de uma pensão - um dos requisitos do divórcio.
O divórcio de Requerente e Requerido foi decretado em Portugal sem que se tenha fixado a referida indemnização, desde logo porque esse não é um requisito para o decretamento do divórcio perante a lei portuguesa (que, aliás, não prevê este instituto); mas também, como se diz na sentença em causa, porque os Tribunais suíços reservam para si próprios a competência exclusiva para decidir desta matéria.
Foi neste contexto que a Requerente recorreu ao procedimento de complemento ou suplemento de sentença anterior, o que foi aceite, tendo o Requerido sido condenado no pagamento de uma indemnização.“
Entendeu, pois, o Tribunal da Relação que A decisão, cujo reconhecimento de executoriedade foi requerida, versa antes sobre uma prestação de natureza alimentícia, uma obrigação alimentar, formulada como pedido acessório de ação sobre o estado das pessoas, e enquanto direito de carácter patrimonial
Concluindo, julgou totalmente procedente por provado o recurso, decidindo que “ao abrigo da Convenção de Lugano II, para que as sentenças estrangeiras possam ser executadas em Portugal e não meramente reconhecidas, há necessidade de que as mesmas sejam previamente declaradas executórias pelo Tribunal de Comarca competente.”
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Sumário:
“I – Uma sentença proferida por um Tribunal suíço, num procedimento de complemento ou suplemento de sentença anterior, em que condena o Requerido, em complemento de decisão de divórcio proferida em Portugal, a pagar à Requerente uma indemnização equitativa, de acordo com o previsto no artº 124º-E, do Código Civil suíço, versa sobre uma prestação de natureza alimentícia, formulada como pedido acessório de ação sobre o estado das pessoas.
II – Está em causa um direito de carácter patrimonial, não integrando o seu objeto qualquer exceção à aplicação da Convenção Lugano II, havendo sim necessidade de, através do procedimento nela consignado, declarar a executoriedade da referida decisão.”
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