Acórdão do T.C.A. Sul, proferido no âmbito do processo 2768/24.0BELSB, datado de 10-04-2025
- Tiago Oliveira Fernandes
- 8 de mai.
- 5 min de leitura
Analisa o meio processual idóneo a obter uma decisão referente à aquisição de nacionalidade em tempo útil, em casos de manifesta urgência.
*
De acordo com o disposto no n.º 7 do art. 6.º da Lei n.º 37/81, de 03 de outubro, na redação em vigor antes da vigência das alterações operadas pela Lei Orgânica n.º 1/2024, de 05 de Março, ou seja, na redação em vigor no caos em apreço,
“O Governo pode conceder a nacionalidade por naturalização, com dispensa dos requisitos previstos nas alíneas b) e c) do n.º 1, aos descendentes de judeus sefarditas portugueses, através da demonstração da tradição de pertença a uma comunidade sefardita de origem portuguesa, com base em requisitos objetivos comprovados de ligação a Portugal, designadamente apelidos, idioma familiar, descendência direta ou colateral”.
[Nota: Não sendo tal facto relevante para a matéria – de índole processual – em causa nos presentes autos, de relevar a título meramente informativo que, atualmente, é necessário que, para o efeito, estejam verificados os seguintes requisitos cumulativos:
a) Demonstrem a tradição de pertença a uma comunidade sefardita de origem portuguesa, com base em requisitos objetivos comprovados de ligação a Portugal, designadamente apelidos, idioma familiar, descendência direta ou colateral;
b) Tenham residido legalmente em território português pelo período de pelo menos três anos, seguidos ou interpolados.]
Ora,
No caso em apreço, está em causa determinado sujeito que intentou uma ação de intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias, contra o Instituto dos Registos e Notariado, I.P., com vista à intimação desta entidade a decidir o seu pedido de aquisição de nacionalidade e a lavrar o respectivo registo de nascimento por transcrição, averbando-se a aquisição da nacionalidade portuguesa.
Tendo o TAC de Lisboa proferido sentença a intimar o Instituto dos Registos e Notariado, I.P. a proceder a referida decisão no prazo de 30 dias, foi por esta entidade interposto recurso, alegando para o efeito, em suma que
““I. A Intimação para a defesa de direitos, liberdades e garantias, regulada nos artigos 109º a 111º do CPTA, é um meio urgente de tutela jurisdicional efetiva, assumindo um caráter restrito quanto ao seu objeto e uma natureza subsidiária em relação aos outros meios processuais existentes;II. Essa natureza subsidiária traduz-se na conclusão de que a via normal de reação será a propositura de uma ação administrativa não urgente - neste caso, de condenação à prática de ato devido, regulada nos artigos 66º a 71º do CPTA - já que em matéria de nacionalidade não se afigura adequado o decretamento de uma providência cautelar;III. É o que resulta da doutrina e jurisprudência maioritárias, bem como, claramente, do disposto nos artigos 26º da LN e 62º do RN;
(…)
VII. Insistimos, por isso, que se verifica nos presentes autos uma EXCEÇÃO DILATÓRIA INOMINADA por impropriedade ou inadequação do meio processual utilizado pelo Recorrido, nos termos do artigo 89º, nºs 1, 2 e 4 do CPTA e dos artigos 576º, nºs 1 e 2 e 577º do CPC, estes aplicáveis “ex vi” artigos 1º e 35º do CPTA; PARALELAMENTE:VIII. A CRCentrais e outros serviços do IRN IP, debatem-se atualmente com uma gravíssima carência de meios humanos e materiais, situação que, objetivamente, obsta ao cumprimento dos prazos legalmente previstos para a análise, decisão e feitura dos respetivos registos, prazos esses que, atenta a especialidade da matéria, revestem caráter meramente “indicativo” e/ou “ordenador”;”
Relativamente aos factos dados como provados, relevam o facto de que o Requerente é descendente de judeu sefardita português, solicitou a aquisição da nacionalidade por naturalização em 26/08/2022, em 28/11/2018 foi reconhecido clinicamente que o Requerente é possuidor de um risco significativo de probabilidade de mortalidade, em 27/07/2022 requereu tramitação prioritária do seu processo, tendo sido objeto de indeferimento em 04/04/2023, e que, até à data da proposição da ação, não tinha sido proferida qualquer decisão.
Decidiu o T.C.A. Sul que “em matéria de aquisição de nacionalidade não é possível a tutela cautelar, pois que a aquisição da cidadania a título provisório permitiria que o beneficiado exercesse direitos exclusivos dos cidadãos portugueses sem ter esse estatuto de cidadão.´
Efectivamente, nos termos do n.º 2 do artigo 15.º da Constituição, há direitos que estão exclusivamente reservados para os cidadãos portugueses (como acontece com os direitos políticos e o exercício de funções públicas que não tenham carácter predominantemente técnico). Ora, o estatuto de cidadão português é incompatível com o exercício de direitos dos cidadãos portugueses a título provisório (ao abrigo de uma providência cautelar decretada a favor de quem ainda não adquiriu a cidadania portuguesa) porquanto tal exercício seria apto ao estabelecimento na ordem jurídica de situações de vantagem, com reflexos na esfera jurídica de terceiros, que seriam irreversíveis em caso de improcedência da acção principal.”
(sublinhado nosso)
No entanto, considerando a matéria de facto dada como provada, da qual resulta que
“o autor, à data da sentença recorrida, tinha mais de 67 anos de idade, era reformado por invalidez em virtude de padecer de uma cardiopatia grave, tendo sido reconhecido clinicamente que, estando exposto a um quadro de stress, tem um risco significativo de probabilidade de mortalidade, tendo sido já submetido a cirurgia para retirada de uma massa cancerígena maligna na próstata, detectada em 2020, padecendo ainda de diabetes tipo 1.
Assim, considerando a idade avançada e o estado de saúde do autor, caracterizado por patologias graves, a sua pretensão de aquisição da cidadania reclama uma decisão urgente, sob pena de, através de uma acção administrativa de tramitação normal (não urgente), com a demora inerente à mesma, e face à previsível degradação do estado de saúde do autor (em função da sua idade e do tipo de patologias de que padece), não poder ser garantida a tutela jurisdicional efectiva que se impõe, concluindo-se, assim, por uma situação de ameaça daquele direito. Não sendo possível no caso a tutela cautelar – como acima referido -, só através do processo de intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias, de natureza urgente, se pode evitar a situação de ameaça do direito à aquisição da cidadania.”
Pelo que, sendo o direito à aquisição da cidadania portuguesa uma dimensão positiva do direito fundamental à cidadania previsto no n.º 1 do art. 26.º da CRP, e atenta a matéria dada como provada, de cuja análise se conclui pelo carácter de urgência da situação em apreço, em virtude de estar em causa uma “ameaça” ao direito à aquisição da cidadania por parte do Autor e atento o hiato temporal decorrido, conjugada com a morosidade associada aos processos não urgentes que correm termos no Tribunais Administrativos e Fiscais, decidiram os Venerandos Juízes Desembargadores pela improcedência do recurso, admitindo como meio processual idóneo à pretensão do autor a ação de intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias, e mantendo a decisão que impôs o prazo de 30 dias para o Instituto dos Registos e Notariado, I.P. proferir decisão quanto à aquisição de nacionalidade requerida pelo Autor.
*
Sumário:
“I - Em matéria de aquisição de nacionalidade, não é possível a tutela cautelar, pois que a aquisição da cidadania a título provisório permitiria que o beneficiado exercesse direitos exclusivos dos cidadãos portugueses sem ter esse estatuto de cidadão, e tal exercício seria apto ao estabelecimento na ordem jurídica de situações de vantagem, com reflexos na esfera jurídica de terceiros, que seriam irreversíveis em caso de improcedência da acção principal.
II - Pretendendo o autor adquirir a cidadania portuguesa e invocando e provando o mesmo que é descendente de judeu sefardita português, está em causa o direito à aquisição da cidadania portuguesa.”
Comments