Acórdão do S.T. Administrativo, proferido no âmbito do processo 01020/25.8BEPRT, datado de 25-09-2025
- Tiago Oliveira Fernandes

- 2 de out.
- 5 min de leitura
Analisa a possibilidade de obter o domicílio fiscal por parte de um contribuinte em relação ao seu irmão, alegando para o efeito tal necessidade com vista a proceder à partilha de uma herança de que são ambos herdeiros.
*
Determinado SP dirigiu um pedido de informação ao Chefe do Serviço de Finanças, a solicitar informação sobre a morada/domicílio fiscal do seu irmão, alegando para o efeito “deter “um interesse direto, pessoal e legítimo” na obtenção de tal dado, atenta a “necessidade de proceder à partilha dos bens que compõem a herança do pai de ambos”, na qual exerce as funções de cabeça-de-casal”.
Em face da inexistência de resposta no prazo de 10 dias, o requerente submeteu um um pedido de intimação para prestação de informações, com vista a obter a referida informação.
Em resposta, a ATA opôs-se a tal pretensão, alegando que a informação solicitada estava abrangida pelo dever do sigilo fiscal, previsto no art. 64.º da LGT; não se enquadrando a presente situação em nenhuma das exceções aí revistas.
Sendo que o n.º 2 do art. 64.º da LGT prevê que o dever de sigilo cessa nos seguintes casos:
a) Autorização do contribuinte para a revelação da sua situação tributária;
b) Cooperação legal da administração tributária com outras entidades públicas, na medida dos seus poderes;
c) Assistência mútua e cooperação da administração tributária com as administrações tributárias de outros países resultante de convenções internacionais a que o Estado Português esteja vinculado, sempre que estiver prevista reciprocidade;
d) Colaboração com a justiça nos termos do Código de Processo Civil e mediante despacho de uma autoridade judiciária, no âmbito do Código de Processo Penal;
e) Confirmação do número de identificação fiscal e domicílio fiscal às entidades legalmente competentes para a realização do registo comercial, predial ou automóvel”.
Mais avançou que “a recolha de dados pessoais pela ATA não tem como finalidade identificar cidadãos perante outros cidadãos, servindo os dados relativos à identificação e ao domicílio estritos fins tributários, não existindo uma conexão entre a finalidade da recolha dos dados solicitados e a finalidade pretendida pela Requerente”, e que, para efeitos de partilha, sempre poderia propor a competente ação, usando os dados da base de dados de identificação civil, e que, em última instância, poderia solicitar a intervenção do Juiz do processo, ao abrigo do disposto no art. 418.º do CPC.
Acolhendo além do mais os argumentos aduzidos pela ATA, o TAF do Porto julgou o pedido de intimação improcedente, concluído que a “informação solicitada pela Intimante está coberta pelo sigilo fiscal, não se verificando nenhuma das situações em que a LGT admite a sua derrogação”.
Inconformado, o Requerente interpôs recurso da decisão.
A final, entendeu o STA que, em suma,
a) a prestação de informação que conste da base de dados da ATA (como é o caso do domicílio fiscal), na medida em que configura uma derrogação ao dever de sigilo fiscal, deve observar as condições estabelecidas no artigo 64º da LGT que, no seu nº 2;
b) não se vislumbra, face do interesse invocado, que corresponde a “um mero interesse particular na localização de herdeiro com vista a agilizar os termos da partilha de bens por via sucessória” – qualquer violação ao disposto no artigo 6º, nº1, alínea f) do RGPD, ou no artigo 6º, nº5, alínea b) da Lei nº 26/2016, de 22 de agosto, reiterando
c) o direito à informação não é um direito absoluto e “não pode prevalecer sobre a tutela constitucional à intimidade da vida privada e à exigência do dever que lhe corresponde em termos de sigilo fiscal, imposto à ATA, quanto aos dados pessoais”; e.
d) inexiste qualquer comprometimento ao acesso ao direito e à justiça, pois que, podendo o requerente/recorrente interpor a competente ação judicial com vista à partilha dos bens que constituem a respetiva herança, a lei processual civil prevê mecanismos para obter a dispensa de confidencialidade, nomeadamente o artigo 418º, nº1 do CPC, que prevê que “A simples confidencialidade de dados que se encontrem na disponibilidade de serviços administrativos, em suporte manual ou informático, e que se refiram à identificação, à residência, à profissão e entidade empregadora ou que permitam o apuramento da situação patrimonial de alguma das partes em causa pendente, não obsta a que o juiz da causa, oficiosamente ou a requerimento de alguma das partes, possa, em despacho fundamentado, determinar a prestação de informações ao tribunal, quando as considere essenciais ao regular andamento do processo ou à justa composição do litígio”.
Consequentemente, o STA negou provimento ao recurso interposto.
*
Sumário:
“I - O direito à informação assume-se como um direito fundamental, constitucionalmente consagrado, de natureza análoga a direitos, liberdades e garantias. Trata-se de um direito que não é absoluto e que, como tal, não prevalece, sem mais, sobre a tutela – igualmente consagrada na CRP – da reserva da intimidade da vida privada.
II - O princípio da confidencialidade dos dados relativos à situação tributária dos contribuintes e aos elementos de natureza pessoal obtidos no procedimento encontra expresso acolhimento na legislação tributária, tal como resulta do nº 1 do 64º da LGT.
III - O domicílio fiscal de uma pessoa singular, terceiro, como um elemento de natureza pessoal, está abrangido pelo sigilo fiscal. O acesso a tal dado pessoal é um elemento consideravelmente sensível, desde logo (mas não só) por, não raras vezes, o mesmo coincidir, no que às pessoas singulares respeita, com a habitação do agregado familiar.
IV - O domicílio fiscal dos contribuintes é, em regra, obtido no âmbito de aplicação do Decreto-Lei n.º 14/2013, de 28 de janeiro, que institui o número de identificação fiscal, bem como as condições da sua atribuição, respetivos efeitos e gestão.
V - A prestação de informação que conste da base de dados da ATA (como é o caso do domicílio fiscal), na medida em que configura uma derrogação ao dever de sigilo fiscal, deve observar as condições estabelecidas no artigo 64º da LGT.
VI - A circunstância de se reconhecer o interesse da Recorrente em conhecer um dado pessoal relativamente ao seu irmão, com vista a exercer o direito de partilha dos bens da herança do pai de ambos, não tem acolhimento na lei (cfr. artigo 64º, nº 2 da LGT) enquanto fundamento bastante para excecionar o dever de sigilo fiscal por parte da ATA.
VII - O tratamento de dados pessoais por entidades públicas para finalidades diferentes das determinadas pela sua recolha tem natureza excecional. Os cidadãos (e os contribuintes em geral) facultam inúmeros dados pessoais à ATA para a prossecução dos fins (tributários) desta, confiando que é para esses fins, e não para outros, que os mesmos vão ser utilizados.”.








Comentários