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Acórdão do T.R. Porto, proferido no âmbito do processo 17415/20.0T8LSB-C.P1, datado de 08-04-2024

Foto do escritor: Tiago Oliveira FernandesTiago Oliveira Fernandes

Analisa os critérios legais de preferência para atribuição das funções de Cabeça de Casal de herança.


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De acordo com o art. 2079.º do C.C., a administração da herança, até à sua liquidação e partilha, pertence ao cabeça-de-casal.


Já o n.º 1 do art. 2087.º do C.C. determina ainda que o cabeça-de-casal administra os bens próprios do falecido e, tendo este sido casado em regime de comunhão, os bens comuns do casal.

 

A lei prevê, desde logo, a ordem pela qual deverá incumbir o cargo de cabeça de casal.

Como tal, prevê o n.º 1 do art. 2080.º do C.C. que o cargo de cabeça-de-casal defere-se pela ordem seguinte:

a) Ao cônjuge sobrevivo, não separado judicialmente de pessoas e bens, se for herdeiro ou tiver meação nos bens do casal;

b) Ao testamenteiro, salvo declaração do testador em contrário;

c) Aos parentes que sejam herdeiros legais;

d) Aos herdeiros testamentários.

 

No caso de parentes que sejam herdeiros legais, (al. c) do n.º 1 do art. 2080.º do C.C.), preferem os mais próximos em grau – cfr. n.º 2 do art. 2080.º do C.C.;

Já no caso de herdeiros legais do mesmo grau de parentesco, ou de entre os herdeiros testamentários, preferem os que viviam com o falecido há pelo menos um ano à data da morte - cfr. n.º 3 do art. 2080.º do C.C.;

E, em igualdade de circunstâncias, prefere o herdeiro mais velho - cfr. n.º 4 do art. 2080.º do C.C.;

 

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De frisar que, não obstante a preferência legalmente estabelecida, existem casos que permitam ou determinem a escusa ou remoção do cargo de cabeça de casal.

 

Assim,

 

Para efeitos de escusa, o Cabeça de Casal pode escusar-se do cargo caso se verifique uma das seguintes circunstâncias:

1. Se tiver mais de setenta anos de idade;

2. Se estiver impossibilitado, por doença, de exercer convenientemente as funções;

3. Se o exercício das funções de cabeça-de-casal for incompatível com o desempenho de cargo público que exerça.

- cfr. art. 2085.º C.C..

 

Por outro lado,

 

Qualquer interessado pode pedir a remoção do cabeça de casal, caso se verifique uma das seguintes situações:

1. Se dolosamente ocultou a existência de bens pertencentes à herança ou de doações feitas pelo falecido, ou se, também dolosamente, denunciou doações ou encargos inexistentes;

2. Se não administrar o património hereditário com prudência e zelo;

3. Se não cumpriu no inventário os deveres que a lei lhe impuser;

4. Se revelar incompetência para o exercício do cargo.

- cfr. art. 2086.º do C.C.

 

Já no caso de todos as pessoas mencionadas no art. 2080.º do C.C. se escusarem ou forem removidas, caberá ao tribunal designar quem irá exercer o cargo de cabeça de casal – cfr. art. 2083.º do C.C.

 

Além do mais, prevê o art. 2084.º do C.C. que, “Por acordo de todos os interessados pode entregar-se a administração da herança e o exercício das funções de cabeça de casal a qualquer outra pessoa”.

 

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Isto posto,

 

Processualmente, é o processo de inventário o meio processual idóneo a, além do mais, fazer cessar a comunhão hereditária e proceder à partilha de bens (cfr. al. a) ao art. 1082.º do C.P.C.).

 

Este processo pode ser iniciado por iniciativa do cabeça de casal – caso em que, além do mais, deverá justificar a sua qualidade enquanto tal (cfr. al. b) do n.º 2 do art. 1097.º do C.P.C.), ou por iniciativa de qualquer interessado – caso em que, além do mais, deverá indicar quem deve exercer o cargo de cabeça de casal (cfr. al. b) do art. 1099.º do C.P.C.).

 

Em relação à substituição do cabeça de casal, determina o art. 1103.º do C.P.C. que, por acordo de todos os interessados na partilha, o cargo pode ser atribuído a outrem, a todo o tempo, bem como que a substituição, a escusa e a remoção do cabeça de casal constituem incidentes do processo de inventário.

 

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Ora,

 

No caso concreto, sendo todos os herdeiros descendentes em 2.º grau na linha reta do de cujus, foi designado como cabeça de casal o neto mais velho, em conformidade com a “regra de desempate” prevista no n.º 4 do art. 2080.º do C.C..

 

Veio outra neta impugnar a competência do cabeça de casal, alegando para o efeito que “se encontra em melhor posição para garantir a correta administração dos bens da herança, pois sempre esteve presente na vida dos inventariados, em especial da inventariada, acompanhando-a em todos os momentos da sua vida, vivendo, inclusivamente, com ela nos últimos anos, sendo que, mesmo após a inventariada ter ido para uma casa de repouso, continuou a passar fins de semana consigo, pernoitando e fazendo as refeições na casa de morada de família da inventariada, onde, também, vive parte do tempo o interessado, assim garantindo o acompanhamento pessoal e patrimonial dos interesses da inventariada e continuando a gerir os contratos de arrendamento, a emitir os respetivos recibos e a fazer obras necessárias/urgentes.”

 

O Tribunal a quo indeferiu a pretensão da outra neta quanto à impugnação da competência do cabeça de casal, porquanto o único facto que poderia relevar para o efeito seria a vivência com o falecido há pelo menos um ano à data da morte (“regra de desempate” prevista no n.º 3 do art. 2080.º do C.C., e que prevalece sobre a regra prevista no n.º 4 do mesmo artigo (mais velho).

 

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Desta decisão foi interposto recurso pra o Tribunal da Relação do Porto, o qual apreciou a alegada “preterição da preferência definida na escala substantiva para o deferimento do cargo de cabeça de casal”, e o alegado “exercício abusivo por parte da cabeça de casal”.

 

Decidiu o Tribunal da Relação que, quanto à alegada “preterição da preferência definida na escala substantiva para o deferimento do cargo de cabeça de casal”, tendo a inventariada falecido em 2017, e residindo num lar desde 2013, claro estava que esta não residia com nenhum dos netos.

 

Sendo que, o facto de a inventariada, nestas circunstâncias, passar fins de semana e datas festivas com a neta / recorrente, onde faziam refeições juntas, é irrelevante para subsunção da regra prevista no n.º 3 do art. 2080.º do C.C..

 

Mais frisou o referido aresto que “O critério legal para a nomeação é o da vivência em comum com o de cujus por um período não inferior a um ano. Se porventura o legislador pretendesse que o critério radicasse no maior conhecimento das coisas referentes à administração do património hereditário ou na competência do candidato a cabeça de casal a previsão legal teria que ser construída de modo totalmente diverso. Acresce, mesmo, que a vivência em comum com o de cujus não constitui qualquer garantia de maior conhecimento das coisas atinentes à administração do património hereditário, pois se o de cujus fosse pessoa capaz ou desconfiada não tinha que transmitir tais conhecimentos a quem com ele vivesse.”

(sublinhado e negrito nosso).

 

Quanto ao alegado exercício abusivo por parte da cabeça de casal, decidiu o Tribunal da Relação que não se pode configurar a verificação dos pressupostos do abuso do direito no exercício do cargo pela interessada nomeada cabeça de casal, inexistindo alegação de qualquer exercício abusivo, pois que, “limitando-se a cabeça de casal a beneficiar da tutela que a lei lhe confere, nenhuma situação de abuso se configura a justificar o recurso a válvula de segurança do sistema para, afastando a norma legal no nº4, do art. 2080º, excluir a sua nomeação.”


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Sumário:

- O fundamento da “impugnação da competência do cabeça de casal”, a que, adjetivamente, alude a al. c), do nº1, do art. 1104º, do CPC, que dá lugar a um incidente do processo de inventário, consiste na preterição da preferência definida na escala estabelecida substantivamente para o deferimento do cargo.

II - É o nº1, do art. 2080º, do Código Civil, que define a ordem pela qual deve ser escolhido o cabeça de casal, atribuindo o terceiro lugar aos parentes que sejam herdeiros legais do falecido (al. c)).

III - De entre os parentes que sejam herdeiros legais, preferem os de grau mais próximo (nº2). E estatuída se mostra, para o caso de herdeiros legais do mesmo grau de parentesco, a preferência dos que viviam com o falecido há, pelo menos, um ano à data da morte (nº3) e, nenhum preenchendo esse requisito de nomeação, a do herdeiro mais velho (nº4);

IV - Tais regras apenas podem ser afastadas em situação de escusa ou de remoção.

V - Não é admissível a subsunção ao nº3 de situações, com a do caso, em que, embora um herdeiro legal reúna melhores condições para o exercício do cargo que os demais, meramente conviva com a inventariada aos fins de semana e dias festivos.

VI - Limitando-se a cabeça de casal, cuja competência vem impugnada, a beneficiar da tutela que a lei lhe confere (no nº4), nenhuma situação de exercício abusivo do direito se mostra configurada, a justificar, o recurso à válvula de segurança do sistema consagrada no artigo 334º, do Código Civil, para excluir a nomeação.

VII - Ainda que assim não fosse, afastado um herdeiro legal, sempre se imporia averiguar a quem incumbiria o cargo, no respeito pela hierarquia imposta.”




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