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Foto do escritorTiago Oliveira Fernandes

Acórdão do T.R. de Lisboa, proferido no âmbito do processo 23037/22.4T8LSB.L1-6, datado de 21-12-2023

Analisar o facto relevante para iniciar a contagem do prazo de prescrição para os herdeiros exercerem os seus direitos sobre das unidades dos certificados de aforro [Série B] titulados pelo de cujus.

 

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Em relação aos certificados de aforro de série B, com relevo para o caso em apreço e de forma resumida,

 

Através do Decreto-Lei n.º 172-B/86, de 30 de junho, foi autorizada a emissão de certificados de aforro, denominada «série B».

 

Previa o n.º 1 do art. 3.º do referido D.L. que os certificados de aforro são nominativos, reembolsáveis, só transmissíveis por morte e assentados apenas a pessoas singulares.

 

Já os n.ºs 1 e 2 do art. 7.º do referido D.L. estipulavam que por morte do titular de um certificado de aforro, poderão os herdeiros requerer, dentro do prazo de cinco anos, a transmissão da totalidade das unidades que o constituem, efetivada pela emissão de novos certificados, que manterão a data da emissão dos que lhes deram origem, ou o respetivo reembolso, pelo valor que o certificado tiver à data em que o reembolso for autorizado (n.º 1), e que  findo o prazo a que se refere o número anterior, consideram-se prescritos a favor do Fundo de Regularização da Dívida Pública os valores de reembolso dos respetivos certificados, sendo, no entanto, aplicáveis as demais disposições em vigor relativas à prescrição (n.º 2).

 

O n.º 1 do mencionado art. 7.º foi posteriormente alterado, primeiro pelo Decreto-Lei n.º 122/2002, de 4 de maio, passando o prazo de 5 anos para 10 anos.


Por sua vez, este Decreto-Lei n.º 122/2002, de 4 de maio veio estipular ainda que se aplicavam aos certificados de aforro as disposições gerais relativas à prescrição dos juros e do capital de empréstimos da dívida pública, constantes da Lei n.º 7/98, de 3 de Fevereiro.

 

Por fim, o Decreto-Lei n.º 47/2008, de 13 de Março, alterou a redação do referido art. 7.º, passando a prever que

“1 - Por morte do titular de um certificado de aforro, podem os herdeiros requerer, dentro do prazo de 10 anos:

a) A transmissão da totalidade das unidades que o constituem; ou

b) O respectivo reembolso, pelo valor que o certificado tenha à data em que o reembolso seja autorizado.

(…).”

 

*

 

Já em relação à prescrição, com relevo para o caso em apreço e de forma resumida,

 

O artigo 297.º, do Código Civil, prevê que Estão sujeitos a prescrição, pelo seu não exercício durante o lapso de tempo estabelecido na lei, os direitos que não sejam indisponíveis ou que a lei não declare isentos de prescrição (n.º 1), e que , Quando, por força da lei ou por vontade das partes, um direito deva ser exercido dentro de certo prazo, são aplicáveis as regras da caducidade, a menos que a lei se refira expressamente à prescrição (n.º 2).

 

Já o n.º 1 do artigo 306.º do Código Civil refere que “O prazo da prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido; se, porém, o beneficiário da prescrição só estiver obrigado a cumprir decorrido certo tempo sobre a interpelação, só findo esse tempo se inicia o prazo da prescrição”.

 

*

 

Ora,

 

No caso em apreço, o cujus titular enquanto vivo de conta de aforro junto da Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública - IGCP, E.P.E. falecera no ano de 2022.


Por sua vez, os seus herdeiros apenas solicitaram o pagamento dos respetivos certificados no ano de 2021, alegando para o efeito que apenas e só tinham tido conhecimento


Alegaram para o efeito que, em suma, apenas no ano de 2021 tiveram conhecimento da existência dos respetivos certificados de aforro.


A Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública - IGCP, E.P.E. veio invocar a prescrição, tendo o Tribunal a quo proferido despacho que julgou procedente a respetiva exceção, julgando a decisão improcedente.

 

Inconformados, os herdeiros recorrer da respetiva decisão, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa revogado a sentença proferida e julgando improcedente a respetiva exceção, decidindo para tanto que o prazo de prescrição no caso em apreço se inicia a partir do momento que os herdeiros teriam conhecimento da existência dos certificados de aforro.


Nesse âmbito, relevou o aresto em análise que

              

Citando Menezes Cordeiro, “Há, no entanto, situações em que o Código adoptou o sistema subjectivo: a prescrição só se inicia a contar do momento em que o credor tenha conhecimento do direito que lhe compete, como sucede com os casos previstos no art.º 482º (prescrição do direito à restituição do enriquecimento, e no art.º 498º (prescrição do direito à indemnização).

No caso particular da contagem do prazo de prescrição do pedido de reembolso dos certificados de aforro, o Supremo Tribunal de Justiça, de forma unânime, que se saiba, tem seguido o sistema subjectivo, basicamente por duas ordens de razões: por a questão se colocar num contexto sucessório, e pelo fundamento específico da prescrição, a saber, a negligência do titular do direito e que, por isso, só a exigência do conhecimento da existência e titularidade do direito satisfaz o pressuposto de o direito poder ser exigido, referido no art.º 306º do CC".



Além do mais, citando o Acórdão do S.T.J. de 25/2/2021,

“na transmissão de bens por via sucessória, os herdeiros, muitas vezes, podem não ter conhecimento da totalidade dos bens que integram o património do de cujus, realidade que se reflete em alguns aspectos do regime sucessório, como a possibilidade do herdeiro pedir judicialmente, a todo o tempo, a restituição de bens da herança a quem os possua (art.º 2075º do CC), a do legatário poder reivindicar a entrega dos bens legados sem dependência de prazo (art.º 2279º do CC), ou a previsão de partilhas adicionais, quando se verifique a omissão de bens (art.º 2122º do CC). 

(…)

Assim sendo, o prazo de prescrição de 10 anos aqui em análise deve ser considerado um prazo sujeito a um sistema subjectivo, cuja contagem só se inicia quando, após a aceitação da herança, os herdeiros têm conhecimento da existência de certificados de aforro da série B no património do de cujus, sem prejuízo do decurso do prazo de prescrição ordinária, cuja contagem se inicia com a aceitação da herança, nos termos do art.º 306º do CCivil”.

 

E isto porque, concluindo, “O Estado – como pessoa de bem – deverá acautelar os interesses das famílias que lhe confiam as suas poupanças, particularmente nas situações de transmissão por morte da titularidade de direitos sobre certificados de aforro, não onerando os herdeiros com encargos e deveres desproporcionados, particularmente quanto a factos que desconhecem e não estão obrigados a conhecer.

 

*

 

Sumário:

- Relativamente à série de certificados de aforro, denominada «série B», o Decreto-Lei n.º 172-B/86, de 30 de Junho, estabeleceu que são nominativos, reembolsáveis, só transmissíveis por morte e assentados apenas a pessoas singulares.

- Actualmente, por morte do titular de um certificado de aforro, poderão os herdeiros requerer, dentro do prazo de 10 anos, a transmissão da totalidade das unidades que o constituem, efectivada pela emissão de novos certificados, que manterão a data da emissão dos que lhes deram origem, ou o respectivo reembolso, pelo valor que o certificado tiver à data em que o reembolso for autorizado.

- Para a contagem desse prazo, deverá ser adoptado o sistema subjectivo, que considera que respectivo início só se dá quando o credor tenha conhecimento dos elementos essenciais relativos ao seu direito.

- O Estado não pode impor aos herdeiros um dever de exaustiva procura de bens e direitos do de cujus, quando nada indiciará a sua existência.

- Para a procedência da excepção de prescrição do artigo 7.º, do Decreto-Lei n.º 172-B/86, de 30 de Junho, seria necessário que a ré alegasse e demonstrasse que decorreram dez anos desde o momento em que os herdeiros, após a aceitação da herança, tiveram conhecimento que os certificados de aforro da série B a integravam, até ao momento em que requereram a transmissão da titularidade ou o resgate.




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