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Acórdão do T.R. de Évora, proferido no âmbito do processo 15/22.8JDLSB.E1, datado de 06-06-2023

Foto do escritor: Tiago Oliveira FernandesTiago Oliveira Fernandes

Analisa a relevância do relatório social elaborado no âmbito do processo crime (com P.I.C. formulado) para efeitos de prova das condições familiares, sociais e económicas do arguido/demandado.


*


O “Relatório social” é definidio nos termos da al. g) do art. 1.º do C.P.P como documento do qual consta "a informação sobre a inserção familiar e sócio-profissional do arguido e, eventualmente, da vítima, elaborada por serviços de reinserção social, com o objectivo de auxiliar o tribunal ou o juiz no conhecimento da personalidade do arguido, para os efeitos e nos casos previstos nesta lei”


Conforme decorre do seu conteúdo, a sua informação é bastante relevante para determinar determinadas realidades com efeitos jurídico-penais.


Nesse âmbito, prevê, por ex., o n.º 4 do art. 213.º do C.P.P. que "fundamentar as decisões sobre a manutenção, substituição ou revogação da prisão preventiva ou da obrigação de permanência na habitação".


Já quanto à determinação da sanção, prevê o n.º 1 do art. 369.º do C.P.P. que “ Se, das deliberações e votações realizadas nos termos do artigo anterior, resultar que ao arguido deve ser aplicada uma pena ou uma medida de segurança, o presidente lê ou manda ler toda a documentação existente nos autos relativa aos antecedentes criminais do arguido, à perícia sobre a sua personalidade e ao relatório social”.


Por sua vez, estipula o n.º 1 do art.370.º do C.P.P. que “O tribunal pode em qualquer altura do julgamento, logo que, em função da prova para o efeito produzida em audiência, o considerar necessário à correcta determinação da sanção que eventualmente possa vir a ser aplicada, solicitar a elaboração de relatório social ou de informação dos serviços de reinserção social, ou a respectiva actualização quando aqueles já constarem do processo”


Ora,


No caso em apreço, considerando o acórdão proferido pelo Tribunal a quo ter sido condenatório, do processo constaram necessariamente as condições familiares, sociais e económicas do arguido.


Ainda no âmbito do processo em causa, foi formulado pedido de indemnização civil, peticionando uma quantia a título de indemnização por danos não patrimoniais.


Conforme explica o Acórdão em análise, “Diz-se no n.º 1 do artigo 496.º do Código Civil que na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito. E do n.º 3 do mesmo preceito resulta que o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º [sendo que]

«O artigo 494.º alude ao grau de culpabilidade do agente, à situação económica deste e do lesado e às demais circunstâncias do caso justificativas.


De maneira que a averiguação, análise e consideração da situação pessoal do Arguido releva preponderante importância, quer no âmbito da parte criminal, quer no âmbito da parte cível.


Conforme demonstra a realidade judicial, e se encontra espelhado no teor do Acórdão objeto de análise,

“Tornou-se procedimento habitual, na 1.ª Instância, a reprodução acrítica dos relatórios sociais.

Procedimento que aligeira o trabalho de quem o adota, considerando as facilidades que nos propiciam os meios informáticos que utilizamos, tal como se torna simples a referência, em sede de fundamentação da matéria de facto, à existência do relatório social “copiado”.”

(…)

Porque a infeliz menção a que “do relatório social do Arguido consta, além do mais, que”, apenas demonstra, como não podem desconhecer os Senhores Juízes que optam por semelhante formulação, a existência de relatório social no processo, com o conteúdo transcrito.

Ou seja, não estão provadas as condições familiares, sociais e económicas que o mesmo visa esclarecer.

Este procedimento é também indesejável porque consente a consagração, entre a factualidade provada, de referências indevidas e inaceitáveis numa sentença criminal – nomeadamente, a aspetos da vida de outros familiares do arguido, a palavras que o Arguido não quis pronunciar em julgamento e que desconhecemos se foram bem entendidas por quem as ouviu, a depoimentos indiretos e a juízos de valores não suportados em nada de tangível.”


E isto porque, além do mais, o relatório social não é uma prova em si, mas um meio de prova habilitante do conhecimento da personalidade do arguido, sujeito à livre apreciação de prova.


Pelo que decidiu o Tribunal a quem que, “com vista à determinação do montante da indemnização por danos não patrimoniais, se torna necessário apurar o montante da pensão de reforma auferida pelo Arguido, o montante da pensão de alimentos paga a ex-cônjuge, se o mesmo é o proprietário do imóvel onde habitualmente reside ou, não sendo, qual o montante da renda que paga pela sua utilização e, sendo proprietário de veículo automóvel, quais as suas características e valor estimado do mesmo.”

(sublinhado nosso).


Em consequência, decidiu o Tribunal ad quem que ordenar o reenvio do processo para novo julgamento, restrito ao apuramento das condições familiares, sociais e económicas do Arguido, nos termos e em conformidade com o disposto no artigo 426.º-A do Código de Processo Penal.


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Sumário:

I – Tendo o acórdão proferido nos autos sido condenatório, o objeto do processo inclui as condições familiares, sociais e económicas do Arguido.

II – Tornou-se procedimento habitual, na 1.ª Instância, a reprodução acrítica dos relatórios sociais. Procedimento que aligeira o trabalho de quem o adota, considerando as facilidades que nos propiciam os meios informáticos que utilizamos, tal como se torna simples a referência, em sede de fundamentação da matéria de facto, à existência do relatório social “copiado”. É procedimento indesejável. Porque a infeliz menção a que “do relatório social do Arguido consta, além do mais, que”, apenas demonstra, como não podem desconhecer os Senhores Juízes que optam por semelhante formulação, a existência de relatório social no processo, com o conteúdo transcrito. Ou seja, não estão provadas as condições familiares, sociais e económicas que o mesmo visa esclarecer.

III – A mera transcrição do relatório social é, pois, inaceitável. E conduz à inevitável conclusão de que não estão provadas as condições familiares sociais e económicas do Arguido e que o acórdão enferma do vício da insuficiência da matéria de facto para a decisão, prevenido na alínea a) do n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal.




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