Analisa os pressupostos legais do levantamento/quebra do sigilo profissional do Advogado.
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Relativamente ao sigilo profissional do advogado, prevê o art. 92.º do E.O.A. (Lei n.º 145/2015, de 09 de setembro) o seguinte:
“1- O advogado é obrigado a guardar segredo profissional no que respeita a todos os factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços, designadamente:
a) A factos referentes a assuntos profissionais conhecidos, exclusivamente, por revelação do cliente ou revelados por ordem deste;
b) A factos de que tenha tido conhecimento em virtude de cargo desempenhado na Ordem dos Advogados;
c) A factos referentes a assuntos profissionais comunicados por colega com o qual esteja associado ou ao qual preste colaboração;
d) A factos comunicados por coautor, corréu ou cointeressado do seu constituinte ou pelo respetivo representante;
e) A factos de que a parte contrária do cliente ou respetivos representantes lhe tenham dado conhecimento durante negociações para acordo que vise pôr termo ao diferendo ou litígio;
f) A factos de que tenha tido conhecimento no âmbito de quaisquer negociações malogradas, orais ou escritas, em que tenha intervindo.
2 - A obrigação do segredo profissional existe quer o serviço solicitado ou cometido ao advogado envolva ou não representação judicial ou extrajudicial, quer deva ou não ser remunerado, quer o advogado haja ou não chegado a aceitar e a desempenhar a representação ou serviço, o mesmo acontecendo para todos os advogados que, direta ou indiretamente, tenham qualquer intervenção no serviço.
3 - O segredo profissional abrange ainda documentos ou outras coisas que se relacionem, direta ou indiretamente, com os factos sujeitos a sigilo.
4 - O advogado pode revelar factos abrangidos pelo segredo profissional, desde que tal seja absolutamente necessário para a defesa da dignidade, direitos e interesses legítimos do próprio advogado ou do cliente ou seus representantes, mediante prévia autorização do presidente do conselho regional respetivo, com recurso para o bastonário, nos termos previstos no respetivo regulamento.
5 - Os atos praticados pelo advogado com violação de segredo profissional não podem fazer prova em juízo.
6 - Ainda que dispensado nos termos do disposto no n.º 4, o advogado pode manter o segredo profissional.
(…)”
Este dever pode ser dispensado nos termos do disposto nos artigos 417.º do Código de Processo Civil e 135.º do Código de Processo Penal.
De acordo com o n.º 3 do art. 135.º do C.P.P. “(…) pode decidir da prestação de testemunho com quebra do segredo profissional sempre que esta se mostre justificada, segundo o princípio da prevalência do interesse preponderante, nomeadamente tendo em conta a imprescindibilidade do depoimento para a descoberta da verdade, a gravidade do crime e a necessidade de protecção de bens jurídico”.
No caso em apreço, está em causa uma ação com o valor da causa determinado em €775.607,33.
Tendo em consideração tal facto, o referido aresto analisa os factos à luz dos critérios enunciados no n.º 3 do art. 135.º do C.P.P. nos seguintes termos:
Quanto à prevalência do interesse preponderante.
O “dever de sigilo profissional de advogado tutela um interesse coletivo, no sentido de que satisfaz uma necessidade que é de todos os cidadãos e que existe antes de se concretizar individualmente em casos concretos.
(…)
para o advogado poder ser uma mais valia na resolução dos problemas do cliente, é dizer, para os resolver, no todo ou em parte, na proporção do possível, tem de conhecer todos os factos que são relevantes e, em regra, só os conhece porque o cliente lhos revela.
Mas se o cidadão não puder contar com o sigilo do advogado, porque este, mais tarde, pode vir a ser chamado a tribunal, para testemunhar sobre esses factos, a pedido dos seus adversários ou outras pessoas, sabendo que como testemunha está obrigado a prestar declarações correspondentes à realidade (verdadeiras), então o cidadão pode recear revelar ao advogado os factos em toda a sua extensão, e com isso prejudica a boa defesa dos interesses dos cidadãos nos tribunais e, de modo mediato, o próprio desenvolvimento habitual do comércio jurídico.
(…) nestas condições, os advogados estariam diariamente a ser chamados a tribunal como testemunhas, aliás, privilegiadas, para serem interrogados sobre factos, quer favoráveis, quer desfavoráveis aos seus clientes, em que participaram profissionalmente, tornando-se a profissão inviável porque num primeiro momento o advogado era um auxiliar precioso e passado algum tempo podia converter-se num «inimigo».
(…)
No caso concreto, estamos perante relações jurídicas emergentes de contratos celebrados entre a partes que versam sobre interesses patrimoniais privados.
(…)
Trata-se de um litígio que não tem particularidades especiais que o diferenciem de tantos outros que dão corpo a milhares de processos que foram e são continuamente instaurados em tribunal.”
Pelo que concluem que, no caso em apreço, quanto ao interesse preponderante, de entre o público e o privado, é o público que supera.
Quanto à prevalência do interesse preponderante, considerando a imprescindibilidade do depoimento para a descoberta da verdade.
“Trata-se aqui de fazer uma previsão e uma previsão é, em regra, falível.
Destro desta precaridade, afigura-se que os depoimentos não são imprescindíveis para determinar aquilo que efetivamente aconteceu, pois existem documentos onde se encontram exaradas as declarações de vontade contratual e não será inviável, mesmo prescindindo destes depoimentos, descortinar a intencionalidade que presidiu à realização dos contratos e que aglutina todos os factos que se encontram documentados, apontando para determinadas finalidades que serviram determinados interesses.”
Pelo que, em princípio, não será a testemunha imprescindível, sendo novamente o interesse público o preponderante.
Quanto à prevalência do interesse preponderante considerando a gravidade da omissão de tutela face aos pedidos formulados, no pressuposto que são justificados.
Estando em causa interesses patrimoniais privados exclusivamente, entende o referido aresto que “A eventual omissão de tutela dos direitos invocados pelo Autor resultante da impossibilidade de inquirir as testemunhas é grave, como é grave toda a falta de justiça, mas é uma gravidade que a sociedade suporta, na medida em que afeta, de imediato, apenas o interesse de uma só pessoa.”
Por fim, quanto à prevalência do interesse preponderante, considerando a necessidade de proteção de bens jurídicos, neste caso, da realização da justiça no caso concreto e em geral.
Estando em causa interesses patrimoniais privados exclusivamente, entende o referido aresto tal qual anteriormente que “A eventual omissão de tutela dos direitos invocados pelo Autor, resultante da não inquirição das testemunhas em questão, não causa erosão em interesses ligados a administração da justiça, pois é relativamente comum que um cidadão não obtenha ganho de causa em ações cíveis, sem que daí resulte perda de confiança no sistema de justiça.”
Em suma, no caso em apreço conclui o Tribunal da Relação de Coimbra que “o bem jurídico da confiança encabeçado em todos os cidadãos, tutelado pelo sigilo profissional previsto no artigo 92.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, no sentido de poderem confiar que os advogados não revelarão a terceiros, designadamente em tribunal, os factos de que tiveram conhecimento por causa do exercício das suas funções, prevalece, em regra, sobre o interesse de um cidadão particular em obter tutela jurídica para interesses patrimoniais da sua esfera jurídica, ainda que de valor elevado (775 607,33 euros), que resultam segundo o alegado, da violação de direitos emergentes de relações contratuais. inserindo-se o caso dos autos nesta situação.”
Como tal, decidiu pela improcedência do pedido de dispensa de sigilo profissional formulado quanto às testemunhas/Advgadas.
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Sumário:
“Considerando o disposto nos artigos 417.º do Código de Processo Civil e 135.º do Código de Processo Penal, o bem jurídico da confiança encabeçado em todos os cidadãos, tutelado pelo sigilo profissional previsto no artigo 92.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, no sentido de poderem confiar que os advogados não revelarão a terceiros, designadamente em tribunal, os factos de que tiveram conhecimento por causa do exercício das suas funções, prevalece, em regra, sobre o interesse de um cidadão particular em obter tutela jurídica para interesses patrimoniais da sua esfera jurídica, ainda que de valor elevado (775 607,33 euros), que resultam segundo o alegado, da violação de direitos emergentes de relações contratuais.”
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