Analisa, além do mais, os pressupostos legais para que o credor possa proceder à resolução do contrato de crédito no âmbito de de crédito ao consumo.
*
No que diz respeito aos contratos de crédito celebrado consumidores tem especial importância o Decreto-Lei n.º 133/2009, de 2 de junho, diploma este que transpõe para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 2008/48/CE, do Parlamento e do Conselho, de 23 de Abril, relativa a contratos de crédito aos consumidores.
Um dos principais aspetos diz respeito aos pressupostos legais para que o credor possa invocar a perda do benefício do prazo ou a resolução do contrato, em caso de incumprimentos.
Como tal, prevê o art. 20.º do referido Decreto-Lei que
“Em caso de incumprimento do contrato de crédito pelo consumidor, o credor só pode invocar a perda do benefício do prazo ou a resolução do contrato se, cumulativamente, ocorrerem as circunstâncias seguintes:
a) A falta de pagamento de duas prestações sucessivas que exceda 10/prct. do montante total do crédito;
b) Ter o credor, sem sucesso, concedido ao consumidor um prazo suplementar mínimo de 15 dias para proceder ao pagamento das prestações em atraso, acrescidas da eventual indemnização devida, com a expressa advertência dos efeitos da perda do benefício do prazo ou da resolução do contrato.”
Em relação à eventual convenção de regras distintas, determina o n.º 1 do art. 26.º do referido Decreto-Lei que “O consumidor não pode renunciar aos direitos que lhe são conferidos por força das disposições do presente decreto-lei, sendo nula qualquer convenção que os exclua ou restrinja”.
Já em caso de invocação da perda do benefício do prazo ou a resolução do contrato em detrimento das regras aplicáveis, dispõe ainda o n.º 1 que tal consubstancia a prática de uma contraordenação.
No caso concreto, determinada instituição de crédito instaurou a competente ação, alegando que celebrou um contrato de financiamento para aquisição a crédito de um veículo automóvel, e que perante o incumprimento dos devedores, foram estes inseridos em PERSI, nunca tendo respondido e, como tal, tendo tal procedimento encerrado.
Após interpelados para o efeito, os devedores nunca regularizaram os valores em dívida, tendo sido concedida uma última oportunidade de o fazerem, mediante o pagamento da totalidade do valor até então em atraso, no montante global de de € 1.157,88 e num prazo de 15 dias, sob pena de se considerar o contrato definitivamente incumprido.
Posteriormente, e já estando vencida quantia superior a 10% do montante toal do crédito, foi pela instituição de crédito resolvido o respetivo contrato.
Proposta a ação, foram citados os Réus não apresentada contestação, tendo sido considerados os factos alegados.
No entanto, o Tribunal a quo julgou a ação apenas parcialmente procedente por provada, porquanto entendeu que, à data da comunicação, não estava vencido quantia correspondente a, pelo menos, 10% do montante total do crédito, pelo que a Autora não tinha o direito de reclamar dos devedores as prestações vincendas por estes devidas, pelo facto de ter resolvido o contrato de crédito que celebraram.
Inconformada, a instituição de crédito recorreu, alegado para o efeito, que, além do mais, à data da resolução do contrato o montante em dívida era superior a 10% do montante total do crédito.
Ora,
Entendeu o Tribunal da Relação que “Resulta de tal dispositivo legal, que, para que o credor opere a perda do benefício do prazo ou a resolução do contrato, é necessário que se verifiquem os seguintes requisitos: (i) que o devedor não tenha liquidado pelo menos duas prestações; (ii) que se trate de prestações sucessivas (e não, por conseguinte, interpoladas); (iii) que tais prestações representem mais do que 10% do montante do crédito (o mesmo é dizer que se trate de um incumprimento especialmente qualificado).
Mais resulta do normativo em apreço, que ao credor que pretenda prevalecer-se do regime dele constante se exige uma interpelação admonitória do devedor, interpelação por via da qual lhe conceda um prazo suplementar mínimo de 15 dias para proceder ao pagamento das prestações em atraso, acrescidas da eventual indemnização devida, com a expressa advertência dos efeitos da perda do benefício do prazo ou da resolução do contrato.
Esta interpelação admonitória, como se referiu no referido Acórdão da Relação do Porto, “reveste os mesmos requisitos quer se trate de perda do benefício do prazo ou resolução do contrato” e tais requisitos constituem factos constitutivos do direito do credor, pelo que sobre este recai o ónus da sua alegação e prova (art.º 342.º, n.º 1 do CC).”
Como tal, esclareceu que “os requisitos para que esta opere têm de estar verificados logo no momento da interpelação, não bastando que se verifique em momento posterior, nomeadamente, aquando da declaração de resolução. O incumprimento definitivo emerge da interpelação admonitória pelo que se os requisitos desse incumprimento só se verificam na plenitude em momento posterior, nunca esse incumprimento definitivo se consolida.”
De maneira a que confirmou a Sentença proferida pelo Tribunal a quo, julgando a ação parcialmente procedente apenas.
*
Sumário:
“ I - O regime da perda do benefício do prazo e da resolução do contrato de crédito aos consumidores constante do art.º 20.º do D.L. 133/2009, de 02/06, dada a sua especificidade e imperatividade (v. o seu art.º 26.º), constitui um regime especial que, enquanto tal, derroga o regime geral do Código Civil em matéria de dívidas liquidáveis em prestações.II - À luz do citado artigo, o credor só pode invocar a perda do benefício do prazo ou a resolução do contrato se, cumulativamente, estiverem verificados os seguintes requisitos: (i) que o devedor não tenha liquidado pelo menos duas prestações; (ii) que se trate de prestações sucessivas (e não, por conseguinte, interpoladas); (iii) que tais prestações representem mais do que 10% do montante do crédito (o mesmo é dizer que se trate de um incumprimento especialmente qualificado).III - De harmonia com o preceito, exige-se, ainda, ao credor o recurso a uma interpelação admonitória do devedor, interpelação por via da qual lhe conceda um prazo suplementar mínimo de 15 dias para proceder ao pagamento das prestações em atraso, acrescidas da eventual indemnização devida, com a expressa advertência dos efeitos da perda do benefício do prazo ou da resolução do contrato.IV - Quer o direito que ao accipiens é atribuído no preceito de operar a perda do benefício do prazo, quer o direito que também lhe é atribuído de resolver o contrato, obedecem exatamente aos mesmos pressupostos previstos no referido preceito; isto, sem prejuízo de, quanto à resolução, esta carecer de nova declaração dirigida ao solvens, persistindo este no incumprimento depois da referida interpelação admonitória (art.º 436.º, n.º 1 do CC).V - A resolução do contrato pressupõe, portanto, a prévia interpelação admonitória, estabelecendo-se entre ambas, por isso, uma relação biunívoca; a validade e eficácia daquela resolução pressupõe, assim, que todos os requisitos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 1 do art.º do D.L. 133/2009, de 02/06 estejam verificados logo no momento da interpelação, não bastando que se verifiquem em momento posterior, nomeadamente, aquando da declaração de resolução.”
Comments