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Acórdão do T.R.Coimbra, proferido no âmbito do processo 698/21.6JGLSB.C1, datado de 11-12-2024

Foto do escritor: Tiago Oliveira FernandesTiago Oliveira Fernandes

Analisa, além do mais, a constitucionalidade dos dados identificativos do titular de IP à luz da a Lei n.º 32/2008, de 17 de Julho, e da declaração de inconstitucionalidade feita pelo acórdão 268/2022 do Tribunal Constitucional.

 

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Nos presentes autos, o Arguido foi condenado pela prática de um crime de pornografia de menores , p. e p. pelos artigos 176.º, n.º 1, al. c) e 177.º, n.º 7 do Código Penal.

 

Para tanto, foi determinante a obtenção de dados relativos à identificação do utilizador do IP, através de nome, morada, do posto chamador, equipamento da internet, marca e modelo e endereço Mac.

 

Inconformado, e alicerçando-se no Acórdão n.º 268/2022 do Tribunal Constitucional, o Arguido interpôs recurso da decisão, invocando para o efeito que a prova valorada pelo Tribunal estava contaminada por prova proibida.

 

Ora,

 

Através de Acórdão n.º 268/2022 do Tribunal Constitucional, foi decido:

a) Declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do artigo 4.º da Lei n.º 32/2008, de 17 de julho, conjugada com o artigo 6.º da mesma lei, por violação do disposto nos números 1 e 4 do artigo 35.º e do n.º 1 do artigo 26.º, em conjugação com o n.º 2 do artigo n.º 18.º, todos da Constituição;

b) Declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do artigo 9.º da Lei n.º 32/2008, de 17 de julho, relativa à transmissão de dados armazenados às autoridades competentes para investigação, deteção e repressão de crimes graves, na parte em que não prevê uma notificação ao visado de que os dados conservados foram acedidos pelas autoridades de investigação criminal, a partir do momento em que tal comunicação não seja suscetível de comprometer as investigações nem a vida ou integridade física de terceiros, por violação do disposto no n.º 1 do artigo 35.º e do n.º 1 do artigo 20.º, em conjugação com o n.º 2 do artigo 18.º, todos da Constituição.

 

No caso em apreço, e apoiado pela jurisprudência que tem sido emanada pelos Tribunais Superiores, e considerando, nomeadamente, a Lei n.º109/2009, de 15 de setembro, e a Lei n.º 41/2004, de 18 de agosto, foi pelo Tribunal da Relação de Coimbra esclarecido que, em matéria de telecomunicações, há que distinguir

a)      os dados de base (elementos de suporte técnico e de conexão estranhos à própria comunicação em si mesma, designadamente os relacionados com a identificação dos titulares de um determinado cartão de telemóvel ou de um IP);

b)     os dados de tráfego (elementos que se referem já à comunicação, mas não envolvem o seu conteúdo, por exemplo, referentes à localização do utilizador do equipamento móvel, bem assim como do destinatário, data e hora da comunicação, duração da mesma, frequência, etc.); e

c)      os dados de conteúdo (elementos que se referem ao próprio conteúdo da comunicação).

 

No caso em apreço estamos perante dados de base, designadamente dados identificativos do titular de IP, correspondentes a elementos contratuais com carácter permanente que podem ser obtidos independentemente de qualquer comunicação.

 

Desta forma, concluiu o referido aresto que “a informação da Altice-Meo, relativa à identificação do utilizador do IP que desencadeou a identificação do arguido foi obtida de modo legalmente permitido, pelo que não constitui prova proibida, nos termos do n.º 3 do art.126.º do Código de Processo Penal, inexistindo, por isso, razões para considerar que as provas valoradas pelo tribunal recorrido para sustentar a condenação do arguido (as suas próprias declarações e os depoimentos prestados pelos inspetores da Polícia Judiciária na audiência de julgamento)  tenham sido influenciada por prova proibida.”

 

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Sumário:

 - Em matéria de telecomunicações há que distinguir os dados de base (elementos de suporte técnico e de conexão estranhos à própria comunicação em si mesma, designadamente os relacionados com a identificação dos titulares de um determinado cartão de telemóvel ou de um IP), os dados de tráfego (elementos que se referem à comunicação mas não envolvem o seu conteúdo, por exemplo referentes à localização do utilizador do equipamento móvel, bem assim como do destinatário, data e hora da comunicação, duração da mesma, frequência, etc.) e os dados de conteúdo (elementos que se referem ao próprio conteúdo da comunicação).

II - Os dados identificativos do titular de IP assumem um carácter permanente, resultam dos elementos contratuais celebrados pelo cliente com a fornecedora de serviço de telecomunicações, não tendo nada a ver com dados relativos às comunicações electrónicas em si mesmo consideradas.

III - Não respeitando estes dados as comunicações efectuadas, tratadas e armazenadas ao abrigo da Lei n.º 32/2008, de 17 de Julho, mas a elementos contratuais com carácter permanente que podem ser obtidos independentemente de qualquer comunicação, a sua obtenção pelas autoridades judiciárias cai fora do âmbito da lei e da declaração de inconstitucionalidade feita pelo acórdão 268/2022 do Tribunal Constitucional.

IV - Mesmo a entender-se que a conservação dos dados de base (que incluem o nome e endereço do assinante ou do utilizador registado a quem o endereço do protocolo IP está atribuído) se relaciona com a Lei n.º 32/2008, de 17 de Julho, ainda assim «apesar da declaração de inconstitucionalidade … seria sempre permitida às autoridades judiciárias, a obtenção do endereço do titular do contrato correspondente ao IP utilizado na prática do crime em investigação …» porque «a conservação e armazenamento de dados de base, designadamente, de dados de subscritor do IP pelos fornecedores de serviço, não passou a ser proibida», pois esses dados devem ser conservados, como determina o artigo 4.º, n.º 1, alínea a), 2.ª parte e n.º 2, alínea b), subalínea iii),

” 




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