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Acórdão do T.R. Coimbra, proferido no âmbito do processo 5426/16.5T8VIS.C2, datado de 23-04-2024

Foto do escritor: Tiago Oliveira FernandesTiago Oliveira Fernandes

Analisa o carácter obrigatório da perícia psiquiátrica prevista no n.º 5 do art. 4.º da Lei n.º 133/2009, de 17 de setembro, para efeitos de cancelamento provisório do registo criminal de sentença condenatória pela prática de crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual

 

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Para efeitos de cancelamento provisório de decisões que devam constar do certificado de registo criminal, prevê o art. 12.º da Lei n.º 37/2015, de 05 de maio, que

 

“Sem prejuízo do disposto na Lei n.º 113/2009, de 17 de setembro, estando em causa qualquer dos fins a que se destina o certificado requerido nos termos dos n.os 5 e 6 do artigo 10.º pode o tribunal de execução das penas determinar o cancelamento, total ou parcial, das decisões que dele deveriam constar, desde que:  a) Já tenham sido extintas as penas aplicadas; b) O interessado se tiver comportado de forma que seja razoável supor encontrar-se readaptado; e c) O interessado haja cumprido a obrigação de indemnizar o ofendido, justificado a sua extinção por qualquer meio legal ou provado a impossibilidade do seu cumprimento.”

 

Já os n.ºs 5 e 6 do art. 10.º a que se refere o mencionado art. 12.º dizem respeito aos certificados do registo criminal requeridos por pessoas singulares para fins de emprego, público ou privado, ou para o exercício de profissão ou atividade em Portugal, e certificados do registo criminal requeridos por pessoas singulares para o exercício de qualquer profissão ou atividade para cujo exercício seja legalmente exigida a ausência, total ou parcial, de antecedentes criminais ou a avaliação da idoneidade da pessoa, ou que sejam requeridos para qualquer outra finalidade

 

Em relação à prática de crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual, de relevar a Lei n.º 113/2009, de 17 de setembro, a que alude o referido art. 12.º da Lei n.º 37/2015, de 05 de maio.

 

Nos termos do n.º 1 do art. 2.º da Lei n.º 113/2009, de 17/09, “No recrutamento para profissões, empregos, funções ou atividades, públicas ou privadas, ainda que não remuneradas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, a entidade recrutadora está obrigada a pedir ao candidato a apresentação de certificado de registo criminal e a ponderar a informação constante do certificado na aferição da idoneidade do candidato para o exercício das funções”.

 

Nestes certificados deverá constar a menção de que se destina a situação de exercício de funções que envolvam contacto regular com menores e deve conter, além do mais, as condenações por crime previsto no capítulo V do título I do livro II do Código Penal, bem como as decisões que apliquem penas acessórias nos termos do n.º 1 do artigo 69.º-B, do artigo 69.º-C e do artigo 152.º do Código Penal, ou medidas de segurança que interditem a atividade;

 

Prevê o n.º 4 do art. 4.º da referida Lei que “estando em causa a emissão de certificado de registo criminal requerido para os fins previstos no artigo 2.º da presente lei, o Tribunal de Execução das Penas pode determinar, a pedido do titular, a não transcrição, em certificado de registo criminal requerido para os fins previstos no artigo 1.º da presente lei, de condenações previstas no n.º 1, desde que já tenham sido extintas a pena principal e a pena acessória eventualmente aplicada, quando seja fundadamente de esperar que o titular conduzirá a sua vida sem voltar a cometer crimes da mesma espécie, sendo sensivelmente diminuto o perigo para a segurança e bem-estar de menores que poderia decorrer do exercício da profissão, emprego, função ou atividade a exercer.”

 

Já o n.º 5 do referido art. 4.º determina que “sempre precedida de realização de perícia de carácter psiquiátrico, com intervenção de três especialistas, com vista a aferir a reabilitação do requerente.”

 

Assim, e em princípio, em relação à prática de crimes prática de crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual o cancelamento provisório da decisão poderá ser determinado desde que

a)  já tenham sido extintas a pena principal e a pena acessória eventualmente aplicada (o que implica o decurso do prazo de 7 anos),

b) seja fundadamente de esperar que o titular conduzirá a sua vida sem voltar a cometer crimes da mesma espécie,

c) seja sensivelmente diminuto o perigo para a segurança e bem-estar de menores que poderia decorrer do exercício da profissão, emprego, função ou atividade a exercer;

d) o interessado se tenha comportado de forma que seja razoável supor encontrar-se readaptado;

e) o interessado tenha cumprido a obrigação de indemnizar o ofendido, justificado a sua extinção por qualquer meio legal ou provado a impossibilidade do seu comportamento.

f) E sendo tal decisão precedida de realização de perícia de carácter psiquiátrico, com intervenção de três especialistas, com vista a aferir a reabilitação do requerente


 

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No caso em apreço,

 

O Arguido foi condenado pela prática de um crime de importunação sexual, p. e p. pelo at. 170º do Código Penal, na pena de 70 dias de multa à taxa diária de € 12,00.

 

Posteriormente, e com a finalidade de exercer a atividade de treinador de natação de atletas entre os 14 e 20 anos de idade, o Arguido requereu, ao abrigo do disposto no art. 229º do Código de Execução de Penas e Medidas de Privação da Liberdade, o cancelamento provisório do registo criminal da respetiva sentença.

 

Conforme consta do referido aresto, “O Tribunal determinou, oficiosamente, a elaboração de relatório social para aferir do enquadramento social e laboral do Requerente AA. Mais considerou [após recusar, por inconstitucionalidade, a aplicação do critério normativo extraído do artigo 4.º, n.º 3 e 5 da Lei n.º 113/2009, de 17 de Setembro, no sentido da imperatividade de realização da diligência probatória aí prevista para efeitos de cancelamento de toda e qualquer condenação por crime previsto nos artigos 152.º e 152.º-A e no capítulo V do título I do livro II do Código Penal] que não se justificava a realização de perícia psiquiátrica ao Requerente AA atenta a circunstância de o crime praticado se traduzir “numa Importunação sexual, sancionada com pena de multa, em que a vítima figurava como maior de idade e cuja prática não denota qualquer aparente transtorno de personalidade””

 

Como tal, o Tribunal determinou o cancelamento da sentença em apreço sem que fosse realizada a perícia a que alude o n.º 5 do art. 4.º da Lei n.º 113/2009, de 17 de setembro.

 

Inconformado, o Ministério Público interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, alegando a obrigatoriedade de sujeição do Arguido a uma perícia psiquiátrica, a concretizar por três especialistas, como condição sine qua non para o cancelamento do seu registo criminal.

 

 

Decidiu o Tribunal da Relação de Coimbra que,

“não é correcta a obrigatoriedade do exame psiquiátrico a realidades criminais distintas como a importunação sexual e a violação ou o abuso sexual de crianças [e que] Os tribunais são dotados de aptidão para, tendo em conta as concretas singularidades da situação em análise, decidir da necessidade ou não, da realização da dita perícia psiquiátrica.”

 

 

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Sumário:

“Os tribunais são dotados de aptidão para, tendo em conta as concretas singularidades de cada situação, decidir da necessidade ou não da realização da perícia psiquiátrica a que se refere o art. 4º, n.º 5, da Lei n.º 113/2009..”




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