Analisa a legalidade da prova obtida através da colheita de sangue a condutor inconsciente e, consequentemente, sem o consentimento deste.
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Em relação à legislação geral aplicável ao assunto em apreço, prevê o n.º 1 do art. 81.º do C.E. que “ É proibido conduzir sob influência de álcool ou de substâncias psicotrópicas.”.
Por sua vez, prevê o n.º 5 do mencionado art. 81.º que se “Considera […] sob influência de substâncias psicotrópicas o condutor que, após exame realizado nos termos do presente Código e legislação complementar, seja como tal considerado em relatório médico ou pericial.”
Quanto à obrigação de se submeter a provas/exames com vista a detetar o estado de influenciado por álcool ou substâncias psicotrópicas, determina a al. a) do n.º 1 do art. 152.º do C.E. que os condutores se “devem submeter-se às provas estabelecidas para a deteção dos estados de influenciado pelo álcool ou por substâncias psicotrópicas”.
Caso recusem, incorreram na prática de um crime de desobediência, em conformidade com o disposto no n.º 3 do referido art. 152.º.
Além do disposto no C.E., de relevar ainda a Lei n.º 18/2007, de 17 de Maio (Regulamento De Fiscalização Da Condução Sob Influência Do Álcool Ou De Substâncias Psicotrópicas), no qual estão estabelecidas as regras a considerar para o efeito.
Assim, dispõe o n.º 10 da referida Lei que “A detecção de substâncias psicotrópicas inclui um exame prévio de rastreio e, caso o seu resultado seja positivo, um exame de confirmação, definidos em regulamentação.”
Em relação ao teste de rastreio, preceito o n.º 1 do art. 11.º da referida Lei que este “é efectuado através de testes rápidos a realizar em amostras biológicas de urina, saliva, suor ou sangue e serve apenas para indiciar a presença de substâncias psicotrópicas.”
Quanto à competência para levar a cabo a sua realização, estabelece o n.º 2 do referido art. 11.º que recairá sobre as entidades fiscalizadoras, os estabelecimentos da rede pública de saúde que constem de lista a divulgar pelas administrações regionais de saúde ou, no caso das Regiões Autónomas, pelo respetivo Governo Regional e o Instituto Nacional de Medicina Legal.
Já quanto ao teste de confirmação, determina o n.º 1 do art. 12.º da referida Lei que o mesmo será efetuado após o teste de rastreio dar positivo através de amostra de sangue.
Em princípio, e tal como prevê o n.º 5 do referido art. 12.º, “só pode ser declarado influenciado por substâncias psicotrópicas o examinado que apresente resultado positivo no exame de confirmação”.
A exceção a esta regra encontra-se plasmada no art. 13.º da referida Lei, a qual prevê que seja efetuado um exame médico no caso de, após repetidas tentativas de colheita, não se lograr retirar ao examinando uma amostra de sangue em quantidade suficiente para a realização do teste.
Para o efeito, e a título meramente informativo, de frisar que os requisitos a que devem obedecer os analisadores quantitativos, o modo como se deve proceder à recolha, acondicionamento e expedição das amostras biológicas destinadas às análises laboratoriais, os procedimentos a aplicar na realização das referidas análises e os tipos de exames médicos a efetuar para deteção dos estados de influenciado por álcool ou por substâncias psicotrópicas se encontram estabelecidos na Portaria n.º 902-B/2007, de 13 de agosto.
Jà no caso de se verificar um acidente de trânsito, e com referência às substâncias psicotrópicas, será ainda de considerar, por fim, o disposto no art. 157.º do C.E., sob epígrafe “Fiscalização da condução sob influência de substâncias psicotrópicas”.
Assim,
De acordo com o n.º 2 do art. 157.º do C.E., “Os condutores e os peões que intervenham em acidente de trânsito de que resultem mortos ou feridos graves devem ser submetidos aos exames referidos no número anterior [i.e., “exames legalmente estabelecidos para deteção de substâncias psicotrópicas”].
Já o n.º 6 do referido art. 157.º remete, além do mais, para o regime previsto no art. 156.º, sob epígrafe “Exames em caso de acidente”.
Sendo que preceitua o n.º 2 e 3 do referido art. 156.º do C.E. o seguinte:
“2 - Quando não tiver sido possível a realização do exame referido no número anterior, o médico do estabelecimento oficial de saúde a que os intervenientes no acidente sejam conduzidos deve proceder à colheita de amostra de sangue para posterior exame de diagnóstico do estado de influência pelo álcool e ou por substâncias psicotrópicas.
3 - Se o exame de pesquisa de álcool no sangue não puder ser feito ou o examinando se recusar a ser submetido a colheita de sangue para análise, deve proceder-se a exame médico para diagnosticar o estado de influência pelo álcool e ou por substâncias psicotrópicas.”
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Ora, no caso em apreço e com relevo para a presente análise, temos que, em virtude de o condutor se encontrar inconsciente, não deu o seu consentimento para efetuarem uma colheita de sangue com vista à deteção de álcool ou substâncias psicotrópicas no sistema.
Sucede que, considerando que, por um lado, caso o condutor se recusasse a efetuar o teste, incorreria num crime de desobediência, e, por outro, que foi possível recolher colheita de sangue suficiente para o efeito, não estavam reunidos os pressupostos para ser necessário levar a cabo um exame médico, e sequer existiu (naturalmente) oposição à colheita por se encontrar inconsciente, decidiu o Tribunal de 1.ª Instância (bem como o de Recurso) que a colheita de sangue era legal.
Isto, em conformidade com o Acórdão proferido pelo Tribunal Constitucional n.º 418/2013, de 17/10/2013, que decidiu “não julgar inconstitucional a interpretação normativa, extraída da conjugação do artigo 4.º, n.os 1 e 2, do Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas, aprovado pela Lei n.º 18/2007, de 17 de maio, e do artigo 156.º, n.º 2 do Código da Estrada, segundo a qual o condutor, interveniente em acidente de viação, que se encontre fisicamente incapaz de realizar o exame de pesquisa de álcool no ar expirado, deve ser sujeito a colheita de amostra de sangue, por médico de estabelecimento oficial de saúde, para posterior exame de diagnóstico do estado de influenciado pelo álcool, nomeadamente para efeitos da sua responsabilização criminal, ainda que o seu estado não lhe permita prestar ou recusar o consentimento a tal colheita”.
E, em consequência, decidiu o Tribunal da Relação de Coimbra pela inexistência de qualquer prova ilegal ou nula referente à respetiva colheita de sangue sem o consentimento do condutor inconsciente.
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Sumário:
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I – Quando, na sequência de acidente, não seja possível proceder a exame de rastreio/pesquisa de álcool no ar expirado por o interveniente ter ficado inconsciente, o procedimento a seguir é o que consta do artigo 157.º, n.º 1, 2, e 6, do Código da Estrada, realizando-se logo o exame de confirmação através da colheita da amostra de sangue.
II - O mesmo se aplica ao exame de diagnóstico do estado de influência por substâncias psicotrópicas.
III - A colheita da amostra de sangue ao condutor que ficou inconsciente em resultado de acidente de viação sem o seu consentimento, para a realização do exame/análise toxicológica para quantificação de teor de álcool no sangue cujo resultado foi negativo e para diagnóstico de confirmação do estado de influência por substâncias psicotrópicas, que foi positivo para substâncias canabinóides, não constitui a produção de qualquer prova ilegal ou nula.
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