Analisa as condições e prazos para exercício do direito de remição.
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De acordo com o art. 842.º do C.P.C. “Ao cônjuge que não esteja separado judicialmente de pessoas e bens e aos descendentes ou ascendentes do executado é reconhecido o direito de remir todos os bens adjudicados ou vendidos, ou parte deles, pelo preço por que tiver sido feita a adjudicação ou a venda”.
Conforme assente na doutrina e jurisprudência dos tribunais superiores, o direito de remição encontra a sua origem na “ideia de proteção do património familiar, sendo um direito com origem processual, que se constitui no momento da venda ou da adjudicação dos bens e que no seu exercício tem os mesmos efeitos do direito real de preferência”.
Este direito pertence, sucessiva e preferencialmente, ao cônjuge, aos descendentes e as ascendentes do executado, preferindo os de grau mais próximo, sendo que, em igualdade de grau, abre-se licitação entre estes (art. 845.º do C.P.C.)
Trata-se de um direito que prevalece sobre o direito de preferência (art. 844.º do C.P.C.).
Em relação ao momento e termos de exercer este direito, determina o n.º 1 do art. 843.º do C.P.C. as seguintes possibilidades:
a) No caso de venda por propostas em carta fechada, até à emissão do título da transmissão dos bens para o proponente ou no prazo e nos termos do n.º 3 do artigo 825.º [“O preferente que não tenha exercido o seu direito no ato de abertura e aceitação das propostas pode efetuar, no prazo de cinco dias, contados do termo do prazo do proponente ou preferente faltoso, o depósito do preço por este oferecido, independentemente de nova notificação, a ele se fazendo a adjudicação”]
b) Nas outras modalidades de venda, até ao momento da entrega dos bens ou da assinatura do título que a documenta.
Já o n.º 2 do referido art. 843.º estipula que “[se] Aplica (…) ao remidor, que
[a] exerça o seu direito no ato de abertura e aceitação das propostas em carta fechada, o disposto no artigo 824.º, com as adaptações necessárias,
[“1 - Os proponentes devem juntar obrigatoriamente com a sua proposta, como caução, um cheque visado, à ordem do agente de execução ou, nos casos em que as diligências de execução são realizadas por oficial de justiça, da secretaria, no montante correspondente a 5 % do valor anunciado ou garantia bancária no mesmo valor.
2 - Aceite alguma proposta, o proponente ou preferente é notificado para, no prazo de 15 dias, depositar numa instituição de crédito, à ordem do agente de execução ou, nos casos em que as diligências de execução são realizadas por oficial de justiça, da secretaria, a totalidade ou a parte do preço em falta.”]
[b] bem como o disposto nos n.os 1 e 2 do artigo 825.º,
[“1 - Findo o prazo referido no n.º 2 do artigo anterior, se o proponente ou preferente não tiver depositado o preço, o agente de execução, ouvidos os interessados na venda, pode:
a) Determinar que a venda fique sem efeito e aceitar a proposta de valor imediatamente inferior, perdendo o proponente o valor da caução constituída nos termos do n.º 1 do artigo anterior; ou
b) Determinar que a venda fique sem efeito e efetuar a venda dos bens através da modalidade mais adequada, não podendo ser admitido o proponente ou preferente remisso a adquirir novamente os mesmos bens e perdendo o valor da caução constituída nos termos do n.º 1 do artigo anterior; ou
c) Liquidar a responsabilidade do proponente ou preferente remisso, devendo ser promovido perante o juiz o arresto em bens suficientes para garantir o valor em falta, acrescido das custas e despesas, sem prejuízo de procedimento criminal e sendo aquele, simultaneamente, executado no próprio processo para pagamento daquele valor e acréscimos.
2 - O arresto é levantado logo que o pagamento seja efetuado, com os acréscimos calculados.”]
[c] devendo o preço ser integralmente depositado quando o direito de remição seja exercido depois desse momento, com o acréscimo de 5 % para indemnização do proponente se este já tiver feito o depósito referido no n.º 2 do artigo 824.º, e
[d] aplicando-se, em qualquer caso, o disposto no artigo 827.º.
[“1 - Mostrando-se integralmente pago o preço e satisfeitas as obrigações fiscais inerentes à transmissão, os bens são adjudicados e entregues ao proponente ou preferente, emitindo o agente de execução o título de transmissão a seu favor, no qual se identificam os bens, se certifica o pagamento do preço ou a dispensa do depósito do mesmo e se declara o cumprimento ou a isenção das obrigações fiscais, bem como a data em que os bens foram adjudicados.
2 - Seguidamente, o agente de execução comunica a venda ao serviço de registo competente, juntando o respetivo título, e este procede ao registo do facto e, oficiosamente, ao cancelamento das inscrições relativas aos direitos que tenham caducado, nos termos do n.º 2 do artigo 824.º do Código Civil.”]
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No caso em apreço, os filhos de um casal de insolventes pretenderam exercer o direito de remição de determinados bens.
Os respetivos bens/verbas foram adjudicados, no seguimento de venda por proposta em carta fechada, em 05/05/2021 e em 21/12/2022.
os filhos de um casal de insolventes manifestaram tal intenção, mas não efetuaram o pagamento do preço final relativo aos imóveis.
O Administrador de Insolvência insistiu pelo pagamento do sinal.
E apenas em 05/05/2023 é que foram enviados ao administrador de Insolvência cheques pré-datados para pagamento do preço.
Estes cheques foram devolvidos, tendo decorrido o prazo concedido para efetuar o pagamento sem que o fosse feito, tendo o Administrador de Insolvência adjudicado os bens em 19/06/2023.
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Inconformados com esta decisão, os filhos dos insolventes vieram reclamar de tal decisão, tendo o Tribunal a quo decidido que pela assertividade da decisão, mais frisando que os “cheques não só são de uma conta bancária de uma sociedade (e não do filho dos insolventes), como são cheques pré-datados, pelo que não constituem, naturalmente, o pagamento imediato do preço em causa nos autos”
Nessa sequência, foi interposto recurso de tal despacho, alegando para o efeito, além do mais, que “Os insolventes, informaram o Sr. Administrador, em devido tempo que seu filho enviou cheques para proceder ao depósito do preço, dos bens adjudicados, de uma empresa de que é sócio, pagamento esse que deveria ter sido aceite”
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Entendeu o Tribunal da Relação de Évora que
“o remidor não cumpriu as exigências de pagamento do preço nem o tempo estipulado para o embolso dessas verbas. Assim, tal como se afirma no processo, não ocorrendo o pagamento, dado que se trata de uma condição sine qua non da perfeição negocial, o remidor perdeu o direito a fazer sua a coisa que estava integrada no património dos seus pais.
In casu, ao exercer o direito de remição já após o momento de abertura das propostas em carta fechada, o remidor tinha de efectuar o depósito imediato e integral do preço, de acordo com o estabelecido no n.º 2 do artigo 843.º do Código de Processo Civil.
Assim sendo, ao abrigo do disposto no artigo 825.º do Código de Processo Civil, com as necessárias adaptações, o administrador de insolvência estava legitimado a determinar que a remição ficasse sem efeito e, consequentemente, a aceitar as propostas anteriormente apresentadas e a concluir o acto de venda.
Nesta ordem de ideias, é válida a asserção que se o remidor pretender exercer o direito após a abertura e aceitação de propostas em carta fechada terá de fazer acompanhar a sua declaração de um comprovativo do depósito da totalidade do preço (acrescido de 5% para indemnização do proponente preterido que já tenha feito o depósito do preço), sob pena de a sua declaração não poder produzir os efeitos pretendidos.
Só efectuando o depósito imediato e integral do preço é que o remidor está a exercer validamente tal direito e a perfectibilizar o direito consagrado na lei de protecção da família, através da preservação do património no seio da sua estirpe”,
E, em consequência, julgou improcedente recurso interposto.
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Sumário:
“1 – Se o remidor pretender exercer o direito após a abertura e aceitação de propostas em carta fechada terá de fazer acompanhar a sua declaração de um comprovativo do depósito da totalidade do preço (acrescido de 5% para indemnização do proponente preterido que já tenha feito o depósito do preço), sob pena de a sua declaração não poder produzir os efeitos pretendidos.
2 – Perante a falta de pagamento, o administrador de insolvência estava legitimado a determinar que a remição ficasse sem efeito e, consequentemente, a aceitar a proposta apresentada pelo arrematante e a concluir o acto de venda.”
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