Acórdão do S.T. Justiça, proferido no âmbito do processo 5164/22.0T8ALM.S1, datado de 11-03-2025
- Tiago Oliveira Fernandes
- 18 de mar.
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Analisa os poderes incluídos no usufruto, bem como a abrangência do conceito “destino económico a respeitar”, a que alude o art. 1446.º do C.C..
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Conforme preceitua o art. 1439.º do C.C., “Usufruto é o direito de gozar temporária e plenamente uma coisa ou direito alheio, sem alterar a sua forma ou substância.”
O art. 1445.º do C.C: prevê que “Os direitos e obrigações do usufrutuário são regulados pelo título constitutivo do usufruto; na falta ou insuficiência deste, observar-se-ão as disposições seguintes.”
Por sua vez, o art. 1446.º do C.C. explica que “O usufrutuário pode usar, fruir e administrar a coisa ou o direito como faria um bom pai de família, respeitando o seu destino económico.”
Ou seja, conforme explica o referido aresto, “Resulta deste regime legal o direito do usufrutuário gozar plenamente a coisa alheia, mas sem alterar a sua forma e substância (princípio da conservação da forma e da substância), estando nesse gozo obrigado a proceder como procederia um “bom pai de família” e a respeitar o destino económico da coisa (não pode por exemplo transformar um terreno de cultivo num campo de jogos, ou transformar uma habitação numa discoteca, a menos que o proprietário de raiz nisso consinta).”
Em relação aos poderes de administração, incluem quer o poder de transformação da coisa, a qual se materializa, nos termos do art. 1450.º e 1472.º n.º 1 do C.C., na possibilidade de realização de benfeitorias úteis e voluptuárias e de reparações ordinárias.
Já quanto à duração do contrato, preceitua o art. 1443.º do C.C. que “Sem prejuízo do disposto nos artigos anteriores, o usufruto não pode exceder a vida do usufrutuário; sendo constituído a favor de uma pessoa colectiva, de direito público ou privado, a sua duração máxima é de trinta anos.”
Atentas as decisões dos tribunais superiores e entendimentos da doutrina principal, conclui o referido aresto que
“i- o usufruto proporciona o gozo pleno de uma coisa corpórea em respeito pela forma ou substância do seu objeto, o que delimita negativamente o tipo legal do usufruto.
ii- no gozo pleno incluem-se:
- o poder de usar, fruir ou administrar a coisa (respeitados os limites genéricos de não alterar a forma ou a substância, nem alterar o seu destino económico);
- o poder de alienação ou oneração do usufruto;
- o poder de reivindicação;
- o poder de transformação, através de benfeitorias úteis e volutuárias e reparações ordinárias (respeitados os limites genéricos de não alterar a forma ou a substância, ou seu destino económico);
- o dever de administrar a coisa como faria um bom pai de família, o que inclui o melhor aproveitamento da coisa, no respeito pela sua integralidade.”
Já em relação ao conceito de “destino económico a respeitar” a que alude o o art. 1446.º do C.C. in fine, ocorre divergência verificamos existir divergência na doutrina e jurisprudência.
Existem assim três posições principais:
a) Uma primeira, que defende que o “destino económico a respeitar” deve ser aquele que foi dado pelo proprietário no momento da constituição do usufruto (critério subjetivo);
b) Uma segunda, que defende que no “destino económico a respeitar” “tanto releva a aplicação dada à coisa usufruída pelo proprietário, como a aplicação que resulta da sua própria natureza e, simultaneamente, corresponda a uma administração prudente e conforme aos usos. Neste caso, o que releva são as possibilidades objetivas de uso (lícito) que a coisa propicia” (critério objetivo); e
c) Uma terceira, que defende que o usufrutuário pode alterar o destino económico durante o usufruto, contando que que posteriormente possa voltar ao estado anterior (critério intermédio).
Considerando as posições admissíveis, o Supremo Tribunal de Justiça assume como o melhor critério o critério subjetivo, admitindo ainda como admissível o citério intermédio, porquanto, considerando a natureza temporária do contrato es expetativas das partes, “o usufrutuário estando legitimado a fazer na coisa benfeitorias úteis e volutuárias que não alterem a sua forma ou substância, nem o seu destino económico (art. 1450.º nº 1) e, tendo, findo o contrato, direito a ser considerado possuidor de boa-fé (art. 1450.º nº 2), logo, tendo direito a levantar as benfeitorias úteis realizadas na coisa, desde que o possa fazer sem detrimento dela, mas se detrimento houver, tendo direito a haver do proprietário o valor das benfeitorias segundo as regras do enriquecimento sem causa (art. 1273º nº 2)”.
E isto porque “este critério corresponde ao critério que melhor previne a possibilidade do pagamento de uma indemnização futura, com que os proprietários não contavam, ressarcidora de benfeitorias que não servem o fim económico da coisa por si concebido, mas antes um fim económico potenciado pela natureza do bem (critério objetivo), que poderão não desejar.”
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No caso em apreço, o usufrutuário construiu sobre o prédio no qual o usufruto foi constituído seis campos de padel, constituídos por uma estrutura de cobertura amovível que assenta numa base de betão removível – sendo esta modalidade desportiva que passou a dominar o respetivo espaço -bem como uma bomba de abastecimento elétrico.
No prédio sobre o qual o usufruto foi constituído, anteriormente existiam construções, as quais se encontravam parte em ruínas ou a carecer de obras de conservação, tendo o usufrutuário legalizado e ampliado as construções existentes.
Entendeu o Supremo Tribunal de Justiça que o fim económico da coisa destinado pelo proprietário foi respeitado, pois que se mantém o espaço/escopo desportivo.
Igualmente, também não estamos perante uma alteração de forma, porquanto os campos de padel poderão ser desmontados e o piso retirado pelo usufrutuário, sem grande custo.
Já quanto à bomba de abastecimento elétrico, considerando a existência do parque automóvel e preocupações ambientais, entendeu o referido aresto que tal instalação também não desrespeitou o fim económico prosseguido.
Nesse segmento, de relevar ainda que as anteriores construções se mostravam parcialmente em ruínas ou a carecer obras de conservação.
Como tal, entendeu o Supremo Tribunal de Justiça que, ao atuar como atuou o usufrutuário, não logrou terem os autores demonstrado a existência do desrespeito pelos limites legais ou contratuais do usufruto.
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Sumário:
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I - O usufrutuário tem o direito de gozar plenamente a coisa alheia, mas sem alterar a sua forma e substância, estando nesse gozo obrigado a proceder como procederia um “bom pai de família” e, a respeitar o destino económico da coisa.
II - Resulta consensual da doutrina e da jurisprudência que:
i - No gozo pleno incluem-se:
- o poder de usar, fruir ou administrar a coisa, respeitados os limites genéricos de não alterar a forma ou a substância, nem alterar o seu destino económico;
- o poder de alienação ou oneração do usufruto;
- o poder de reivindicação;
- o poder de transformação, através de benfeitorias úteis e volutuárias e reparações ordinárias, respeitados os limites genéricos de não alterar a forma ou a substância, ou seu destino económico;
- o dever de administrar a coisa como faria um bom pai de família, o que inclui o melhor aproveitamento da coisa, no respeito pela sua integralidade.
ii- A obrigação de respeito pela forma e substância reconduz-se à proibição de alteração do usufruto, nele se incluindo a proibição da sua destruição e deterioração.
III - Ocorre divergência na doutrina e jurisprudência quanto à abrangência do conceito “destino económico a respeitar”:
i- Defendendo uma primeira posição que, o “destino económico a respeitar” deve ser aquele que foi dado pelo proprietário no momento da constituição do usufruto (critério subjetivo);
ii- Defendendo uma segunda posição que, no “destino económico a respeitar” tanto releva a aplicação dada à coisa usufruída pelo proprietário, como a aplicação que resulta da sua própria natureza e, simultaneamente, corresponda a uma administração prudente e conforme aos usos. Neste caso, o que releva são as possibilidades objetivas de uso (lícito) que a coisa propicia (critério objetivo);
iii- Uma terceira posição, intermédia, concebe que o usufrutuário possa alterar o destino económico durante o usufruto, desde que posteriormente o possa fazer voltar ao estado anterior.
IV - A letra da lei não condiciona o respeito pelo destino económico da coisa ao destino específico dado pelo proprietário (critério subjetivo).
V - Contudo, porque o usufrutuário estando legitimado a fazer na coisa benfeitorias úteis e volutuárias que não alterem a sua forma ou substância, nem o seu destino económico e, tendo, findo o contrato, direito a ser considerado possuidor de boa-fé, logo, tendo direito a levantar as benfeitorias úteis realizadas na coisa, desde que o possa fazer sem detrimento dela, mas se detrimento houver, tendo direito a haver do proprietário o valor das mesmas segundo as regras do enriquecimento sem causa (art. 1273.º, n.º 2), mostra-se mais ajustada à natureza temporária do contrato e à expetativa das partes, uma posição correspondente ao critério subjetivo ou, quando muito, ao critério intermédio.
VI - O critério subjetivo do destino económico da coisa é o que melhor previne o risco do pagamento de uma indemnização futura, com que os proprietários não contavam, como forma de ressarcimento de benfeitorias úteis que não servem o fim económico da coisa por si concebido, mas antes um fim económico potenciado pela natureza do bem (critério objetivo), que poderão não desejar.
VII - Respeita o destino económico da coisa, a sua forma e substância, o usufrutuário que dentro da área que lhe foi concedida em usufruto, onde antes se incluía um polidesportivo com campo de futebol, estruturas de apoio (bancada, balneários, bar, duas casas de habitação, garagem, bilheteira, casa dos contadores de eletricidade e água e telheiros) e, logradouro adjacente, nele construiu campos de padel, de estrutura amovível e base removível e, colocou uma bomba de abastecimento elétrico para abastecimento das suas viaturas.
VIII - Administra como um “bom pai de família” o usufrutuário que procede à legalização e ampliação das construções existentes, quando as anteriores construções se mostravam parcialmente em ruínas ou a carecer obras de conservação.”
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